19/07/2017
Roraima: moradores reclamam do aumento da prostituição na região
Dezenas de venezuelanas permanecem nas ruas dia e noite. A crise na Venezuela levou 52 mil cidadãos a pedir refúgio em outros países, até o primeiro semestre deste ano, informou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.


Os cachos recém-lavados, o perfume, a pele morena fresca de banho. O corpo e os gestos querem ser convidativos, mas os olhos claros de Amanda faíscam atentos e ressabiados na noite de Boa Vista. É que a imagem da colega de trabalho, atropelada por um cliente ali mesmo naquela esquina, não sai da sua cabeça: o rosto desfigurado, a boca cuspindo sangue. "Tenho pavor de trabalhar aqui", conta Amanda, de 35 anos – uma das centenas de venezuelanas que buscam sobreviver como prostitutas em Roraima.

O medo e a vergonha da nova ocupação são comuns entre essas mulheres. Muitas delas têm ensino superior, tinham outras profissões e trabalham nas ruas para conseguir comprar comida, seja para enviar aos parentes que ficaram na Venezuela, seja para sustentar a família no Brasil.

O governo de Roraima estima que 30 mil venezuelanos tenham cruzado a fronteirae se estabelecido no estado desde 2015, fugindo da crise política e econômica na Venezuela. De acordo com o coordenador do Gabinete Integrado de Gestão Migratória de Roraima, Edvaldo Amaral, a prostituição aumentou no estado. "A gente estima que haja de 20 a 30 pontos de prostituição de venezuelanas em Roraima", diz.

Amanda chegou a Boa Vista há um ano, com seus três filhos, após perder o emprego como chefe de cozinha na Isla Margarita. O restaurante onde trabalhava há sete anos fechou as portas com a inflação e o desabastecimento do país. No Brasil, Amanda pediu refúgio, conseguiu a carteira de trabalho e saiu em busca de emprego.

Empregos e bicos

Primeiro lhe ofereceram um trabalho de doméstica, para dormir no local e ganhar menos de um salário mínimo. Ela recusou. "Não vou ganhar menos do que está na lei só por ser venezuelana". Em outra ocasião, foi chamada para ser chef de um restaurante. Receberia 500 reais por mês, enquanto seus ajudantes ganhariam quatro vezes mais.

"Era muito injusto, eu recusei", explica ela, abatida. Pouco tempo depois, Amanda decidiu ir para as ruas. "O desespero me levou a isso. Como querem que a gente não faça coisas más, se não nos dão uma chance?", questiona ela, mostrando que não se sente confortável com a ocupação. "Queria que os brasileiros não sentissem tanto desprezo por nós. Também somos seres humanos", afirma.

Por medo e por não suportar o trabalho de prostituta, a venezuelana frequenta as ruas somente dois ou três dias por semana, sempre antes das 21h. "Aqui há mais de 300 venezuelanas, muitas menores de idade. E é muito perigoso. Sei de mulheres que foram esfaqueadas e espancadas. Além da minha colega, que foi atropelada de propósito por um cliente", lembra.
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Com o trabalho, Amanda garante cerca de 1.500 reais por mês, a ainda faz bicos de lavadeira. Um dos filhos, de 15 anos, corta grama para ajudar em casa, já que a irmã, de 16, chegou grávida ao Brasil. "Estamos sobrevivendo", conta ela, sempre olhando ao redor, ateta aos movimentos da rua.

Venezuelanos no Brasil

O Brasil concentra o segundo maior número de solicitações de refúgio de venezuelanos, 12.960 pedidos em tramitação. O número de solicitações no Brasil também seguiu a tendência geral. Segundo o Ministério da Justiça, foram 3.368 novos pedidos feitos em 2016 e 7,6 mil até junho de 2017. O número quase dobrou em seis meses.

Segundo Spindler, graças a uma longa tradição de solidariedade na América Latina, cidadãos venezuelanos em países vizinhos têm o benefício de diversas formas de permanência temporária nesses países. "Entretanto, devido à obstáculos burocráticos, longos períodos de espera e elevadas taxas para emissão de documentos, muitos venezuelanos optam por permanecer em situação irregular ao invés de utilizar procedimentos migratórios ou de refúgio para regularizar sua permanência", complementa.

A estimativa é de que 30 mil venezuelanos estejam em situação irregular no Brasil, 300 mil na Colômbia e 40 mil em Trinidad e Tobago.

Medidas

O Ministério da Justiça ressalta que, com a Resolução Normativa nº 126, de 2 de março de 2017, do Conselho Nacional de Imigração, o Brasil criou outra possibilidade de regularização migratória além da solicitação de refúgio. A resolução permite que seja concedida residência temporária por até dois anos aos estrangeiros de países fronteiriços que tenham entrado no Brasil por via terrestre. Para isso, basta apresentar alguns documentos à Polícia Federal.

O Acnur informa que está trabalhando com autoridades do Brasil, da Colômbia e de Trinidad e Tobago para acelerar as identificações e registros, reforçar capacidades de recepção e oferecer assistência humanitária básica para solicitantes de refúgio com necessidades específicas.

Diante do elevado número de chegadas, os três países já iniciaram os planos de resposta. Autoridades brasileiras e colombianas estão coordenando suas respostas e discutindo abordagens de forma integrada. 

No Brasil, por intermédio de um parceiro nacional, o Acnur está oferecendo recursos para cobrir algumas atividades desenvolvidas por organizações da sociedade civil em Boa Vista, Pacaraima (RR) e Manaus. Com apoio do Acnur, a Polícia Federal tem disponibilizado mais agentes para o estado de Roraima para ajudar com o registro das solicitações de refúgio.

O Acnur reitera seu pedido aos países para proteger o direito dos venezuelanos, especialmente o de solicitar refúgio e de ter acesso a procedimentos justos e efetivos. Segundo o Alto Comissariado, os venezuelanos que optarem por não pedir refúgio ou que tiverem a solicitação rejeitada devem receber auxílio para regularizar sua situação por meios alternativos. Não são esperados retornos involuntários à Venezuela.






 

Fonte: Mariana Tokarnia de Brasília/ Marina Estarque de Roraima. Vídeo: Band Roraima.
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