Fernando Haddad (PT) tentou demonstrar ânimo nesta segunda-feira diante da tarefa hercúlea que tem pela frente: tentar alcançar e ultrapassar Jair Bolsonaro (PSL) no embate final em 28 de outubro. Em coletiva de imprensa em Curitiba, afirmou, por duas vezes, que a sua chegada ao segundo turno, com somente 20 dias de campanha, foi “um feito”. Agora, terá de cumprir um feito ainda maior: fazer crescer velozmente os mais de 31 milhões de votos que recebeu e virar a disputa, algo inédito desde a redemocratização. Após correr para se cristalizar como herdeiro de Luiz Inácio Lula da Silva, agora o candidato precisará fazer o caminho contrário: se descolar do ex-presidente e das propostas mais controversas do PT para tentar evitar, o quanto puder, a rejeição pelos eleitores antipetistas e atrair votos espremidos pela polarização e até mesmo votos bolsonaristas.
A 20 dias do segundo turno, a manobra de despetização, se efetivada, será um tanto difícil. Mas os acenos da campanha já aparecem nessa direção. Se, por um lado, a primeira agenda desta segunda foi a semanal visita a Lula, preso em Curitiba desde abril condenado pela Lava Jato, a entrevista coletiva que Haddad sempre dá na saída foi, pela primeira vez, sem o cenário do prédio da Polícia Federal de fundo. O candidato preferiu falar em um hotel no centro da cidade, um ambiente um pouco mais neutro. E mencionou Lula apenas uma vez, já sinalizando a direção que a campanha deve percorrer.
A estratégia seria aprofundada na própria segunda-feira, em entrevista na TV Globo. O Jornal Nacional usou todo o peso de ser o principal telejornal da maior emissora do país para negociar sabatinas curtas com os dois candidatos à presidência. Os apresentadores se restringiram a perguntar sobre declarações e propostas, dos próprios candidatos ou aliados, a respeito de mudar a atual Constituição ou que soassem como ameaça à democracia. Haddad rejeitou pela primeira vez uma proposta que consta no programa de Governo do PT que é de convocar uma Assembleia Constituinte, uma vez eleito. "Revimos nosso posicionamento", afirmou o ex-prefeito. Ele também foi perguntado a respeito de uma declaração feita pelo ex-ministro José Dirceu em entrevista ao EL PAÍS. Questionado se havia possibilidade de o PT ganhar, mas não assumir a presidência por causa de um golpe, Dirceu disse achar a possibilidade improvável e completou: "E dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição." A afirmação provocou uma onda de críticas e viralizou nas redes. No JN, Haddad respondeu: “Dirceu não participa da minha campanha nem participará do meu governo. Eu discordo dele.”
A proposta de Constituinte e a frase de Dirceu, além do endosso do PT ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela e da falta de uma declaração clara de repúdio aos escândalos de corrupção, se transformaram nos pontos chave que complicam a transição da candidatura a um tom mais moderado, essencial para atrair aliados. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso citou nesta segunda a proposta de Constituinte como um ponto que não concordava com Haddad, por exemplo. Ciro Gomes (PDT) também já havia criticado a iniciativa.
As declarações ao JN podem, portanto, funcionar como novos acenos. Nesta segunda-feira, Haddad já havia feito gestos para todos os lados. Convocou Ciro – a quem chamou de “pessoa de alta respeitabilidade” - e Guilherme Boulos (PSOL), a se aliarem por uma “ampla aliança democrática”. Mencionou Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB), de quem ele afirma “poder discordar, mas nunca deixei de respeitar”. Ao falar à imprensa em Curitiba, o petista afirmou também que manterá a linha propositiva, podendo “ajustar parâmetros” em seu programa de governo, de acordo com os apoios que pode receber dos candidatos derrotados. E incluiu a segurança pública no hall de temas, algo que não costumava figurar em seu discurso. “[Vamos] empoderar a Polícia Federal”, afirmou, para, em seguida, mirar em seu alvo: “Armar a população é desonerar o Estado de proteger o cidadão”. Uma das principais bandeiras de Bolsonaro, defendida por grande parte de seu eleitorado, é liberar o porte legal de armas.
Essa costura por apoios também passará pelos próprios aliados. A campanha petista precisará realizar um esforço entre os governadores que dividiram palco com Haddad no primeiro turno e já se reelegeram. Principalmente no Nordeste, onde sete, dos nove Estados, encerram a eleição no domingo. Nessa esteira, o PSB, partido disputado até o último minuto entre o PT e o PDT durante as convenções e que acabou decidindo pela neutralidade, reunirá sua executiva nesta terça-feira em Brasília para deliberar sobre quem apoiará. Muito provavelmente, o partido, tradicionalmente de esquerda, deve abraçar a candidatura petista.
Contraofensiva nas redes
No plano regional, o PT terá dois caminhos: arriscar explorar melhor o terreno no Sul, Sudeste e Centro-oeste, onde foi derrotado, ou voltar ao Nordeste e em parte do Norte, para se fortalecer entre o eleitorado que o levou para o segundo turno. Durante a campanha, Haddad foi o candidato que mais visitou o Nordeste, o que o ajudou a colher os frutos da vitória com o suporte da região. Entre os Estados, só não foi vitorioso no Ceará, dominado pela família Ferreira Gomes, de Ciro Gomes (PDT). Porém, nas capitais nordestinas, só venceu em Salvador – na Bahia o PT reelegeu seu governador Rui Costa com mais de 75% dos votos – e em São Luís, capital do Maranhão que reelegeu o comunista Flávio Dino, do partido de coligação com o PT, também no primeiro turno. Isso mostra que, embora a maioria dos eleitores nordestinos tenham votado no petista, ainda há terreno a ser explorado
Em Pernambuco, o governador reeleito Paulo Câmara (PSB) – para quem Haddad ligou no domingo logo que soube da sua vitória - apoiará o petista independentemente da posição que seu partido tomará em Brasília. Câmara tem uma dívida política dom o PT, já que a direção petista rifou a candidatura própria de Marília Arraes no Estado para apoiar a reeleição do governador. Contudo, ainda não é possível saber de que forma e em que tamanho esse apoio do pernambucano ocorrerá.
Outro ponto central é a estratégia de redes sociais, onde o PT arrancou tarde. Somente na semana passada anunciou um canal de WhatsApp para denunciar as notícias falsas das quais era alvo. Agora, tenta correr atrás do prejuízo. Nesta segunda, Haddad propôs que seu rival assine um “protocolo ético”, uma espécie de “carta de compromissos contra a calunia e a difamação anônima que acontece na internet, sobretudo no WhatsApp”, como ele mesmo definiu. E chamou Bolsonaro, que não participou de nenhum debate devido ao atentado que sofrera no início de setembro, para discutir ao vivo. “Gostaria que esses temas afeitos a valores fossem discutidos publicamente, olho no olho”.
Nesta segunda, petistas fizeram circular uma mensagem pelo WhatsApp pedindo para que se criassem grupos na plataforma para a distribuição de material de campanha. A mensagem pede ainda o engajamento nos grupos familiares e de amigos e leva os links para as redes sociais de Haddad e da campanha.