A discreta primeira-dama Michelle Bolsonaro, de 38 anos, mostrou que não teme os holofotes. Em um gesto inédito na história das posses presidenciais recentes do país, a mulher de Jair Bolsonaro discursou no parlatório do Palácio do Planalto antes do marido durante a cerimônia de posse presidencial, nesta terça-feira, 1º.
Ela se manifestou em libras - a língua de sinais para surdos -, público para qual ela faz trabalho voluntário, e agradeceu a todos que demonstraram apoio nos dias em que o marido ficou internado após o atentado a faca em Juiz de Fora, em setembro do ano passado. Fora do script, a fala da primeira-dama foi, talvez, a única surpresa de uma posse que, em geral, seguiu o roteiro. A performance desenvolta diante da multidão abriu a bolsa de apostas sobre o papel de Michelle no futuro Governo.
Michelle fez um agradecimento especial ao filho do presidente Carlos Bolsonaro pela parceria durante o tempo em que que o capitão passou no hospital. A primeira-dama também se dirigiu à pessoas surdas e com deficiência e pronunciou o famoso slogan da campanha, "Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos". Antes de terminar o discurso, que era traduzido por uma assessora, a primeira-dama agradeceu ao "amado esposo" e o beijou, incentiva pelo público. Arrancou aplausos efusivos. "Estamos todos de um lado só. Juntos alcançaremos um Brasil com educação e liberdade para todos", concluiu Michelle Bolsonaro.
Toda a cena mostrou uma Michelle bem diferente daquela que, com sorriso envergonhado no rosto, preferiu não se pronunciar no discurso da vitória de Bolsonaro no dia 28 de outubro, quando o novo presidente fez o convite diante das câmeras, mas ela declinou. O discurso da primeira-dama disputou espaço com as manchetes esperadas sobre seu figurino –um vestido midi de decote ombro a ombro, acinturado e em um tom rosa claro, assinado pela estilista Marie Lafayette, que recebeu elogios nas redes sociais e de especialistas. Mais do que isso: é uma espécie de trunfo narrativo para Bolsonaro, inglório por suas frases misóginas, militante contra a "ideologia de gênero" (e, neste pacote, contra medidas que combatam clichês de gênero) e que já disse que não pagaria o mesmo salário a homens e mulheres por causa dos custos da licença maternidade. Nem mesmo a performance da primeira-dama se encerrou (e ela nem tocou em qualquer assunto sobre igualdade de gênero), e seus apoiadores já afirmavam que a participação era uma "prova" de que Bolsonaro não é machista.
Papel público em transformação
Com o marido recém-empossado presidente da república, a mais nova moradora do Palácio do Planalto deve seguir a tradição das primeiras-damas brasileiras e ter um cargo ligado à área social (com exceção de Marisa Letícia, que não quis esse papel). Michelle já havia manifestado, em entrevistas recentes, o desejo de desenvolver "todos os trabalhos possíveis" na área de ação social, embora ainda não tenha detalhado como deverá ser essa atuação. “Era algo que eu já fazia antes de me casar com o Jair. Eu tenho um chamado para ação social. É algo que Deus colocou na minha vida, no meu coração”, disse em coletiva de imprensa, no fim de novembro, horas antes de se encontrar com Marcela Temer para uma visita às instalações do Alvorada. No discurso nesta terça, reforçou: "Agradeço a Deus essa grande oportunidade de poder ajudar as pessoas que mais precisam. Trabalho de ajuda ao próximo que sempre fez parte da minha vida e que a partir de agora, como primeira-dama, posso ampliar de maneira ainda mais significativa."
Evangélica, Michelle realiza trabalhos voluntários na igreja, principalmente de educação à comunidade surda. É com esse público, aliás, que costuma ter maior proximidade nos cultos de domingo da Igreja Batista Atitude, no Recreio, na zona oeste do Rio de Janeiro, para onde vai duas vezes por semana, sempre acompanhada de seguranças. A mulher do capitão da reserva, que atua como intérprete, aprendeu o alfabeto em libras com um tio surdo e, depois, seguiu estudando por conta própria pela internet. A linguagem que se tornou obrigatória nos principais discursos de Bolsonaro na campanha e até nos lives do Facebook entraria para a história das posses brasileiras.
Se essa influência já era evidente, outra potencialmente mais importante foi o próprio fato de ser evangélica. A primeira-dama teve um papel fundamental na aproximação do marido —Bolsonaro é católico— com sua religião. Começou a levá-lo como acompanhante em alguns cultos que frequentava desde o início do relacionamento, há 11 anos. Ali, Bolsonaro encontrou espaço para ampliar a pauta conservadora que defende, como por exemplo sua posição contra o aborto e o casamento entre homossexuais.
Antes da Igreja Atitude, a primeira-dama frequentou por muitos anos a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, também na Barra, que tem como pastor Silas Malafaia. Foi ele quem celebrou a união religiosa dela com Bolsonaro, em 2013. “Ela é uma menina que gosta de servir. Na minha igreja, pegava cesta básica, achava coisas para bazar. Mas não é boba: sabe se expressar e construir relacionamentos” disse o pastor em entrevista à Folha de S. Paulo. “Ela não carrega maquiagem e não é sofisticada, mas nem precisa. Michele tem uma beleza natural”, completou.
Terceira esposa do presidente, a primeira-dama conheceu o marido em 2007 nos corredores da Câmara Federal, onde trabalhava como secretária parlamentar. Bolsonaro, que estava no quinto mandato parlamentar, a convidou para trabalhar no seu gabinete poucos meses depois. No período de um ano e dois meses em que trabalhou ali, Michelle teve o salário triplicado, mas foi exonerada em 2008, quando o Supremo Tribunal Federal proibiu o nepotismo nos Três Poderes. "A demissão foi pra evitar uma acusação de nepotismo. Mesmo ela tendo o direito de permanecer porque já era empregada quando me casei com ela", explicou Bolsonaro durante a convenção do PSL. Os dois se casaram no civil em 2007, mas a cerimônia religiosa aconteceu seis anos depois.
De origem humilde, Michelle nasceu em Ceilândia, perto de Brasília, e é filha de Maria das Graças Firmo Ferreira e do cearense Vicente de Paulo Reinaldo, motorista de ônibus, conhecido como "Paulo Negão". A primeira dama tem fama de rígida na educação da primogênita, Letícia, de 16 anos, fruto de um relacionamento anterior, e Laura, de 8 anos, filha do presidente empossado, que tem outros quatro filhos de casamentos anteriores. Orgulhoso da prole masculina, Bolsonaro chegou a afirmar que sua caçula era fruto de uma “fraquejada” sua.
Avessa, até agora, aos holofotes, Michele acompanhou de longe a campanha do marido, aparecendo publicamente em eventos e atos de campanha somente na reta final da corrida presidencial. Após a vitória de Bolsonaro, no entanto, ela já havia começado uma fase de maior exposição. O nome da primeira-dama apareceu em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou 1,2 milhão de reais em "transferências atípicas" do motorista Fabrício Queiroz, um ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro. Existe a suspeita de que a conta do motorista tenha sido usada em uma espécie de rateio feito com funcionários do gabinete de Flávio. Ainda não se sabe quem foram os beneficiários, mas 24.000 reais foram transferidos para a conta da primeira-dama. Bolsonaro afirmou que este montante seria referente a um empréstimo feito por ele a Queiroz no valor de 40.000 que foi depositado na conta da mulher.
No fim do ano que passou, Michellle chamou a atenção também ao usar uma camiseta com a frase “se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”, bronca dada pela juíza Gabriela Hardt ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante depoimento sobre o sítio de Atibaia.
Enquanto se desenha o lugar de Michelle no Governo, a imprensa tenta apreender qual será a relação da primeira-dama com as redes sociais, o local preferido pelo marido e família para comunicar com os eleitores. Atualmente, Michelle tem um perfil de Instagram privado e dezenas de perfis fakes em outras plataformas digitais.