Ciro Gomes: “É uma questão de decência que Bolsonaro esclareça o caso Queiroz”
“O PT já foi. Agora eles encontraram alguém que tem coragem de encará-los. Eu sou pós PT”, afirma. Perguntado sobre as próximas eleições, diz que o partido pode cogitar seu nome na disputa à presidência, mas que é cedo para falar sobre o assunto.
Giselle Bezerra, companheira de Ciro Gomes, recebe a reportagem no hall de entrada do amplo apartamento em que o casal vive na praia de Iracema, em Fortaleza (CE). A sala, com vista deslumbrante para o mar, tem um mobiliário simples. Gisele comenta que esta foi a última área da casa a ser mobiliada. A varanda foi transformada em playground para a distração do filho caçula, Gael, que Ciro teve em seu casamento anterior, e que passou o fim de ano com ele. Em uma das paredes, fotos dos 4 filhos de Ciro e algumas do casal na Europa. Cinco minutos após minha chegada, Ciro entra na sala com barba por fazer. Diz que aproveitou as férias para descansar a pele do rosto. Afirma que está estudando astrofísica e escrevendo um livro sobre os caminhos políticos e econômicos que se colocam para o Brasil. Durante toda a entrevista, demonstra que tentará ocupar o lugar de principal líder da oposição. “O PT já foi. Agora eles encontraram alguém que tem coragem de encará-los. Eu sou pós PT”, afirma. Perguntado sobre as próximas eleições, diz que o partido pode cogitar seu nome na disputa à presidência, mas que é cedo para falar sobre o assunto, porque os próximos quatro anos serão uma montanha russa. Mas admite que é necessário construir não uma terceira via, mas “a via”. Confessa ainda que aconselhou Lula a pedir asilo político em uma embaixada.
A entrevista com Ciro Gomes foi feita no dia 2 de janeiro. No dia 4, a assessoria do pedetista foi procurada para que falasse sobre a crise de segurança no Ceará, governada por seu aliado Camilo Santana (PT). Ciro informou que preferia aguardar alguns dias para ter mais informações e poder emitir sua opinião.
Pergunta. No discurso de posse, Bolsonaro falou em libertar o povo do socialismo. O que ele quis dizer com isso?
Resposta. O inquietante é que ele falou isso no discurso de posse, que costuma ser projetado para a história. Não era para ser um arroubo de palanque, mas o que ele repete é um arroubo de palanque que parte da premissa da ignorância do povo. Ele supõe que o povo é burro, incapaz de saber o que é socialismo. E, ao afirmar isso, esconjura na palavra socialismo todo o ranço conservador, que tem dois planos: conservadorismo de costumes e conservadorismo econômico. É uma tragédia, porque significa que o camarada, ao iniciar o Governo, anuncia que vai permanecer no palanque. Fica dizendo bobagens superficiais e se afirma num antipetismo também superficial.
P. Bolsonaro disse que não vai aceitar corrupção. Mas antes da posse, sua família já estava envolvida em suposto escândalo de corrupção. Agora que é presidente não seria bom que este caso fosse bem esclarecido?
R. É imperativo, especialmente para quem assentou na sua identidade o moralismo e que tem a presença simbólica do (Sérgio) Moro, um juiz exibicionista, chibata moral da nação. E tem coisas práticas: Bolsonaro, como deputado, já malversou verba do seu gabinete. O caso do Queiroz, agora, trata-se de uma notícia crime em potencial. É uma questão de moral e de decência esclarecer isso. Até porque esta foi a pedra angular da campanha que deu ao Bolsonaro o mandato como presidente. Se Bolsonaro emprestou dinheiro ao tal Queiroz, cadê o cheque? Que dia foi? Essa foi uma nova operação Uruguai como a do Collor? Foi antes ou depois do escândalo, para tentar cobrir o episódio? Se foi um empréstimo, de onde saiu o dinheiro do Bolsonaro para emprestar? São coisas concretas relativas ao presidente. Sérgio Moro está obrigado a esclarecer isso à nação brasileira. Eu quero dar um tempo. Não quero ser um trombeteiro que nem um petista raivoso, que é o tipo mais parecido com um bolsominion. Deixa o Bolsonaro tomar pé das coisas. Mas daqui a uns 100 dias, tenho toda uma plataforma por onde vou começar a cobrar. Porque foi este o papel que a nação deu a mim. O papel da oposição é estimular Bolsonaro ao jogo democrático, obrigá-lo a seguir a institucionalidade democrática.
P. O senhor acha que Bolsonaro construirá um pacto de governabilidade para aprovar as reformas no Congresso?
R. Ele tem essa força. A coincidência da mudança de ano com a mudança de governo predispõe a sociedade brasileira a ajudar. O Parlamento fica vulnerável a este expediente da rua que diz: "Ajuda o homem! O homem foi eleito, ajuda ele, não atrapalha". E nós temos que ter essa sensibilidade. Não em respeito ao Bolsonaro, mas em respeito ao milhões de brasileiros que deram a ele a maioria. Mas não sei se ele conseguirá fazer um pacto de governabilidade. Eu, Ciro Gomes, não conheço uma única proposta do Governo Bolsonaro.
P. A não ser a legalização das armas.
R. A retórica da legalização das armas está aí, mas eu duvido da legalidade disso por Medida Provisória. O Supremo tenderá a dizer que é inconstitucional. Bolsonaro trabalha com duas agendas. Uma ele vai reinar mais facilmente, que é a agenda de costumes: redução da maioridade penal, facilitar o acesso à arma, agravar a legislação de execução penal. Porque a sociedade está cansada da violência e predisposta a experimentar inovações. São equívocos simplificadores, grosseiros, mas ele vai tentar e, com isso, demonstrará que está tentando cumprir a promessa e manterá o capital político dele com uma certa sobrevida. A outra agenda, que é para a qual devemos chamá-lo, é a do emprego, palavra que ele não citou uma vez sequer, nem no discurso oficial. Devemos chamá-lo para a questão dos juros, da inadimplência de 63 milhões de brasileiros que estão com o nome sujo no SPC. Para discutir a questão da aposentadoria. Precisamos discutir aqueles assuntos que ele vai fugir deles. Aqui tem dois problemas: o primeiro é que são questões muito graves. O segundo é que ele não entende o problema, a equipe dele não entende o problema e, quando entende, interpreta de forma equivocada. Portanto, o remédio que vão propor será o remédio errado, que tenderá muito mais a agravar a doença socioeconômica do Brasil do que mitigá-la. Seria um grave erro a gente aceitar a provocação do Bolsonaro de discutir identitarismos. A esmagadora maioria do povo brasileiro, que é pobre, está desempregada, assustada com a violência, maltratada na rede de saúde... Essa gente tende a entender nossas razões se estas razões forem discutidas. Mas se a gente for discutir "kit gay"... não que o assunto não mereça discussão. Estou só dizendo que o Bolsonaro não pode escolher o campo de batalha.
P. O senhor tem se colocado como nova liderança da oposição. Aceitaria o PT numa frente de oposição ao novo Governo?
R. Acho que sim. Nosso inimigo não é o PT. Agora, nós precisamos não nos comprometer. Estou falando sob o ponto de vista histórico. Precisamos dar ao jovem brasileiro uma plataforma em que ele não precise de um salvador da pátria, de um guru, de um líder carismático que, preso, de dentro da cadeia, fica mandando recado. Isso é o fundo do poço. Não quer dizer que a gente abandone o Lula. A questão central do país não pode ser identitarista ou o salve Lula. Enquanto a agenda for esta, estamos fazendo exatamente o que o Bolsonaro quer que a gente faça. Ele não ganharia em hipótese nenhuma no Brasil que eu conheço se não fosse o antipetismo que o petismo cevou. O Palocci é réu confesso. E não é um petista periférico. Foi o homem que Lula escolheu para comandar a economia do Brasil por 8 anos e a Dilma escolheu para comandar o governo. O Levy foi escolhido pela Dilma. O Michel Temer foi escolhido pelo Lula. Se a gente ficar alisando essas coisas pela dor que tem do Lula estar onde está, não vamos pensar na questão brasileira. Cabe a oposição vigiar, cobrar. O que faz a burocracia do PT? Se retira da posse. Ora, quando o Aécio Neves nega o reconhecimento do sucesso eleitoral da Dilma, começa a plataforma do golpe. E o PT soube denunciar isso. Como é que se explica agora para o povo brasileiro que um adversário nosso, por mais deplorável que seja, não é reconhecido como vitorioso?
P. O senhor fez parte dos Governos Lula e Dilma. Por que só agora descobriu estes problemas do PT?
R. Eu fiz parte do primeiro mandato do governo Lula. Quando eles começaram a errar eu não aceitei mais ser ministro. Eu votei na Dilma contra todas as contradições, porque o outro lado era o PSDB e o Aécio, que eu sabia quem era. O que fiz desta vez? Disse: campanha pra eles eu não faço mais. Votei no Haddad como cidadão, mas não voto mais nesta burocracia do PT. Não faço campanha com eles nunca mais. De lá pra cá eles se corromperam. Essa é a triste, dura e sofrida realidade. Apodreceram. Tomaram gosto pelas benesses do poder.
P. Por que você, que já esteve tantas vezes junto com o PT, não apoiou o Haddad?
R. Por que já tinha feito isso com a Dilma. Lá atrás, a Dilma era uma pessoa sem nenhum treinamento, sem nenhuma vivência, nunca disputou uma eleição. E o Lula, aproveitando a justa popularidade que tinha, resolveu impor a Dilma contra todos nós. Estávamos eu, com predileção nas pesquisas, Eduardo Campos... E o PT não tinha nenhum quadro. E ele escolheu uma pessoa que nem tradicionalmente do PT era. Por que? Pra mandar. Todas as pedras do caminho sabiam que Lula não podia ser candidato pela lei da ficha limpa. E eles impõem a candidatura do Lula, mentem para a população brasileira explorando a boa fé do nosso povo mais pobre para comovê-lo até o limite da eleição e botar uma pessoa sem autoridade.
P. Lula é preso político ou comum?
R. Preso comum. Se Lula fosse um preso político, não tinha que recorrer aos tribunais. Lula não é condenado pelo Sérgio Moro, que eu sempre critiquei. É condenado por unanimidade pelo Tribunal Regional Federal. Tentou diversos recursos no STJ e STF. Portanto, por definição, é um preso comum. Mas se ele entende que é um preso político, não podia estar recorrendo às instâncias formais. Eu acho a sentença que o condenou frágil. Mas isso não o transforma num preso político, porque ele aceitou a dinâmica. Eu, por exemplo, fui violentamente criticado – e isso o PT esquece – quando propus, quando ele sofreu uma prisão coercitiva injusta, ilegal, que se a gente achasse que ele era um preso político, deveríamos subtraí-lo desta arbitrariedade, colocá-lo numa embaixada e pedir asilo político.
P. O que o senhor imagina para o seu futuro?
R. A minha missão hoje é ajudar o jovem brasileiro a entender o nosso país e a formular um caminho. Estou fazendo palestras e vou lançar um livro que é uma plataforma que compreende o Brasil, chamando o debate para a inteligência e não para estas mistificações superficiais. Porque o bicho mais parecido com o bolsominion (nome pejorativo para os seguidores de Bolsonaro) é o petista fanático. Tanto para o bolsominion como para o fanático do PT pode acontecer o diabo que eles relativizam o diabo. Quando o Aécio nega a legitimidade do mandato da Dilma, é golpe. Quando Renan Calheiros, liderando o Senado, faz o golpe...é golpe. Depois o Haddad se apresenta aliado do Calheiros. Aqui, no Ceará, Eunício de Oliveira, meu adversário, e com quem eu briguei por causa do PT, porque votou no impeachment, era golpe. Agora, o Lula impediu a Dilma de ser candidata aqui no Ceará, para qual ela tinha sido convidada e tinha aceito, para impô-la em Minas Gerais onde ela desmontou a aliança do Fernando Pimentel, para apoiar o Eunício Oliveira. A quem o Lula e o PT deram 1 bilhão de reais em contratos sem licitação na Petrobras. Vai pro diabo a burocracia do PT. Tudo picaretagem da pura. O Sergio Machado metia a mão na Transpetro, eu cansei de dizer isso ao Lula. Então, PT, vai devagar comigo, porque eu não gostaria de transformar o PT em meu adversário.
P. Mas você está transformando...
R. Não estou, não. Mas cada vez que eles vierem com uma dessas, e agora veio da sua pergunta, não porque você interpreta, mas porque eles estão dizendo, eu vou dizer porque eu não pude mais apoiar o PT. Eu engoli tudo o que eu podia engolir. E regozijei.
P. Você não acha que na disputa entre Haddad e Bolsonaro não era importante dar apoio ao Haddad para evitar o retrocesso no Brasil?
R. Não estava na minha mão. Quando eles se impuseram, da forma como se impuseram, todas as pesquisas indicavam com muita clareza que esta era uma eleição perdida. Todo mundo estava vendo isso. Haddad teve 70% dos votos no segundo turno aqui no Ceará. Portanto eu apoiei o Haddad. O que eu não faço mais é campanha com esta quadrilha. É bem diferente. Se eu achasse que ia fazer diferença, eu engolia de novo, como engoli lá atrás. Agora, me obrigar, por uma solidariedade ao campo progressista... o Haddad é progressista, sem dúvida. Mas o PT é uma força corrupta. Estou falando da cúpula do PT, não da sua base.
P. E como é que fica a união de forças de oposição no Congresso?
R. É uma agenda prática. Eles resolveram se omitir na posse. Nós ficamos. Quer dizer que nós temos algum compromisso com o Bolsonaro? Não. Temos o compromisso com a democracia, com os ritos, com os valores.
P. Mas isso não fragiliza o campo progressista?
R. Depende. Por que o PT não se comporta? Porque que não abre a conversa com os outros? Quer tudo na imposição de uma hegemonia podre. Já foi. Agora eles encontraram alguém que tem coragem de encará-los. Eu sou pós PT.
P. Você acha que é muito cobrado por isso?
R. Eu sou, mas estou disposto a explicar para todo mundo. E nisso é que eu quero criar uma corrente de opinião, que livre o Brasil desta burocracia corrompida do PT.
P. Você chegou a conversar com o Lula antes do primeiro turno para ser o vice dele?
R. Não. Ele me chamou para esta farsa. Ora, se eu estou denunciando uma farsa, uma fraude, e ele me chama para aperfeiçoar esta fraude, que tipo de homem eu sou, que tipo de líder eu seria no Brasil se eu, por qualquer tipo de ambição pessoal, fosse cumprir este papel imundo? Mandei dizer pra ele que me sentia insultado.
P. Você pretende ser candidato à presidência novamente?
R. Quem conhece o Brasil, que tem a experiência que eu tenho, afirmar que é candidato, é pura temeridade. O que vai acontecer no país nos próximos quatro anos é uma verdadeira montanha russa. Eu aceito que o meu partido cogite a minha candidatura, não vou excluir isso, mas acho que eu tenho um papel a cumprir fora de processo eleitoral. Escrever, falar, organizar o movimento. Dar referência para a juventude brasileira. Só existe o Bolsonaro porque existe este tipo de petismo. Você acha que o Bolsonaro achou o que desta atitude infantil, antidemocrática, burra, de o PT se omitir do ato solene de posse do presidente eleito? Você acha que o Bolsonaro achou ruim isso? Bolsonaro amou. Ele está dizendo: “O Governo não pode fracassar porque se não o PT volta”. E eles se amam, na prática. E eu vou quebrar esta brincadeira, se não o Brasil não aguenta.
P. Você acredita que pode ser a terceira via?
R. Não a terceira via. Nós precisamos construir a via. Sim, porque o PT imitou, no bom e no mau, o PSDB. Quem formulou, no Brasil, foi o Fernando Henrique. E formulou em linha com a onda internacional, neoliberal, pseudo modernizante, do Estado mínimo, de câmbio flutuante, de superávit primário... e qual foi a política econômica do PT? Rigorosamente a mesma. Quer dizer que não foi um Governo bom? Foi, tanto que eu ajudei. O salário mínimo melhorou, o crédito melhorou, a assistência social, com as políticas sociais compensatórias, melhorou muito. Expandiu o ensino público universitário. Tudo isso são coisas boas, mas foram feitas no marco de uma economia política conservadora que encheu o rabo da banqueirada de ganhar dinheiro. É nas mãos do PT/PSDB que o Brasil faz a mais grave concentração bancária do mundo capitalista. Enquanto a América do Norte, epicentro do capitalismo, tem 5 mil bancos disputando o cliente com juros mais baratos, com preço de tarifa mais barata, essa gente entregou o Brasil a três bancos particulares, que tem lucro 78% maior do que qualquer banco na história da humanidade. Isso é o que importa. Porque num regime não inflacionário, o dinheiro que falta no bolso do povo, essa inadimplência que humilha tanto as pessoas, esse é o dinheiro que está sendo levado todo pra mão dos banqueiros. Durante o governo do PT/PSDB, nós criamos o seguinte fenômeno: seis brasileiros tem a renda equivalente a fortuna que somam 100 milhões de brasileiros. Aí estes 100 milhões de brasileiros estão obrigados a se conformar com o Bolsa Família. Isso é irrelevante? Não, é muito importante. Mas o país que eu sonho vai emancipar seu povo pelo trabalho decentemente remunerado e pela educação emancipadora.