Igreja faz culto sem fim e “prende” refugiados na Holanda
Segundo as leis holandesas, a polícia não pode interromper um serviço religioso para fazer uma prisão. Por isso, as autoridades da imigração não podem entrar na Igreja Bethel para prender os cinco membros refugiados armênios.
Jessa van der Vaart e Rosaliene Israel, duas ministras holandesas, costumam ir de bicicleta pedalando pelas ruas de Amsterdã até a paróquia protestante, no centro da cidade. Mas recentemente, elas puseram seus hábitos eclesiásticos no porta-malas de um carro e dirigiram até a cidade de Haia para se revezarem com outro colega na realização de um culto.
Seu turno começaria às 20h, quando substituiriam um ministro da Igreja Bethel. Às 23h, por sua vez, seriam substituídas por um grupo da cidade de Voorburg, encarregado de prosseguir o serviço religioso com hinos e orações até o amanhecer, quando outro clérigo tomaria seu lugar. A maratona de serviços religiosos começou em 26 de outubro, não parou desde então e não teve qualquer interrupção.
Segundo as leis holandesas, a polícia não pode interromper um serviço religioso para fazer uma prisão. Por isso, as autoridades da imigração não podem entrar na Igreja Bethel para prender os cinco membros refugiados armênios da família Tamrazyan, que se abrigaram no santuário a fim de escapar da ordem de deportação.
O serviço, inicialmente pouco noticiado pela imprensa, é uma medida extrema adotada por um pequeno grupo de ministros locais que agora se tornou um movimento nacional, atraindo clérigos e congregados de aldeias e cidades de toda a Holanda. Mais de 550 ministros de cerca de 20 denominações religiosas se revezam na Igreja Bethel, a fim de proteger uma família ameaçada.
“Estamos pondo em prática o que pregamos”, afirmou van der Vaart.
No momento atual, em que a relevância do cristianismo na Europa está desaparecendo – e a xenofobia e o nacionalismo estão crescendo -, o serviço religioso de Bethel vem lembrar a influência que as instituições religiosas ainda podem exercer na Europa Ocidental, hoje em grande parte secularizada. Os ministros decidiram dar sua proteção à família Tamrazyan; aliás, a família ofereceu-lhes uma razão para mostrar o poder da sua fé.
Tudo começou em Katwijk, perto de Amsterdã. A família Tamrazyan – os pais e seus três filhos, Haryarpi, de 21 anos, Warduhi, 19, e Seyran, 15 – acabou ali depois que o pai foi obrigado a fugir da Armênia por motivos políticos em 2010, segundo o pastor Derk Stegeman, porta-voz da família e principal organizador do serviço. A pedido da família, sua situação foi mantida em segredo, juntamente com os nomes dos pais, a fim de evitar eventuais consequências para os parentes que ainda se encontram na Armênia.
As autoridades holandesas tentaram por duas vezes negar asilo à família ao longo de seis anos, e por duas vezes foram derrotadas no tribunal. O governo fez uma terceira tentativa, embora os três filhos residam há mais de cinco anos no país e, teoricamente, tenham direito a anistia, de acordo com a legislação em vigor desde 2013.
O porta-voz do Ministério da Justiça e da Segurança holandês, Lennart Wegewijs, disse que o governo não comentaria casos individuais. Mas falando de modo geral, afirmou que, pela lei holandesa, os filhos só terão direito à anistia se estiverem dispostos a cooperar com os esforços oficiais para deportá-los do país.
A fim de evitar o provável perigo de terem de voltar para a Armênia, os jovens Tamrazyan não cooperaram e se refugiaram em uma igreja de Katwijk. Quando esta esgotou seus recursos para ajudá-los, a direção de Bethel concordou em receber a família.
Além de realizar um culto ininterrupto, 24 horas por dia, a igreja proporciona assistência psicológica à família e aulas para os filhos, que não podem mais frequentar a escola, inclusive a universidade. Os ministros prometeram continuar os serviços indefinidamente – mesmo depois que um funcionário do governo holandês disse dias atrás que isso não alterou a decisão do governo.
Às 23h, as duas ministras de Amsterdã foram substituídas pelo grupo que acabava de chegar de Voorburg. Quando Israel saiu da capela, Haryarpi contou que tivera a inspiração para escrever um poema sobre um dos salmos que os fiéis cantaram. “Para mim, tem tudo a ver”, acrescentou.
“A gente pode ler cem vezes o salmo e não se emocionar”, comentou Rosaliene. “Mas aqui, esta noite, na igreja de Bethel, seu conteúdo é muito tocante”.