No estágio atual de beligerância e polarização generalizadas em que está profundamente mergulhada a sociedade brasileira todos temas, inclusive os de interesse geral, são automaticamente carimbados como sendo pró ou contra determinados viés ideológicos, o que certamente dificulta construir consensos e postergará soluções mais efetivas e duradouras para a enorme crise econômica, política e social que vivenciamos.
Neste cenário de pouco diálogo e muitas “certezas” é que ressurge a proposta de extinção da Justiça do Trabalho, como se a sua existência fosse a causa ou ao menos a razão de agravamento dos problema que atinge a economia brasileira, quando na verdade essa Justiça Especializada faz parte da solução.
Interessante observar qual é a relação da existência da Justiça do Trabalho com o valores sociais e humanitários inseridos, por exemplo, no Preâmbulo da nossa Constituição Federal que diz:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Ora, a existência e a atuação da Justiça do Trabalho visa essencialmente garantir os direitos sociais e individuais, o bem-estar e o desenvolvimento, dentre outros, na sociedade. Não se trata, portanto, de uma questão de ideologia, de partidos ou de governos, se trata do desejo expresso dos Constituinte em “instituir um Estado Democrático” visando essencialmente, uma sociedade “fundada na harmonia social”.
A desregulamentação das relações de trabalho, um eventual fim ou enfraquecimento da Justiça do Trabalho e o cerceamento à atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) representará um gigantesco retrocesso nos avanços, ainda tímidos, no sentido da construção do bem-estar e da harmonia social.
Essa proposta estapafúrdia representará, na verdade, um retorno à barbárie que havia nos primórdios da Revolução Industrial, com jornadas superiores a 14 horas diárias, sem qualquer proteção, exploração do trabalho infantil e de mulheres. Não é exagero, pois contemporaneamente temos condições análogas à essas no sistema de produção da China, onde nem as grandes marcas, como a Apple, escapam das denúncias de selvageria nas relações de trabalho.
É esse tipo de “desenvolvimento” que a Justiça do Trabalho e o MPT estariam “atrapalhando”? Certamente que sim e deve continuar “atrapalhando” mesmo. Sendo assim, todos que desejam uma sociedade de bem-estar social há de defender essas instituições, inclusive os empresários, exceto aqueles que sonham em implantar no Brasil condições de produção análogas às chinesas.
* A Coluna “Reticência Políticas” passará a partir desta data a contar com uma versão de “Jurídicas”.
* Itamar Ferreira é bancário, dirigente sindical, formado em administração de empresas, pós-graduado em metodologia do ensino, advogado e pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho.