A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou nesta quarta-feira para tornar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, réu de uma ação penal, acusado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A decisão tem potencial de enfraquecer Cunha e dar novo fôlego às tentativas de tirá-lo do seu cargo – seja por meio de cassação no Conselho de Ética da Câmara ou por uma decisão do STF para afastá-lo.
Ainda não há data, porém, para que os ministros analisem o pedido da Procuradoria-Geral da República para afastar Cunha de seu mandato. Já o processo no Conselho de Ética tem caminhado com muita lentidão devido a recursos e manobras de aliados do peemedebista.
Votaram para tornar Cunha réu os ministros Teori Zavascki (relator do caso), Carmen Lucia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio.
Até a conclusão do julgamento, os ministros podem rever seus votos, aderindo a eventuais novos argumentos trazidos pelos que ainda não se manifestaram – mas isso é improvável. A votação também pode ser interrompida caso algum ministro peça vista para analisar melhor o caso.
A análise da denúncia contra Cunha será retomada na quinta-feira para que votem também Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Luiz Fux está em evento no exterior e não se manifestará.
Os ministros que já se manifestaram entenderam que Cunha usou seu cargo de deputado para pressionar pelo pagamento de propina, em 2011. Esses recursos seriam frutos de contratos fraudulentos para venda de sondas do estaleiro Samsung Heavy Industries para Petrobras em 2006 e 2007 – e teriam sido lavados por meio de doações para a igreja evangélica Assembleia de Deus.
No entanto, a maioria do STF entendeu que não há provas de que Cunha tenha participado da produção desses contratos.
Entenda o que foi discutido na sessão de hoje – e quais as consequência do início de um processo criminal contra Cunha:
Por que apenas parte da denúncia foi aceita?
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusa Cunha de ter recebido ao menos US$ 5 milhões entre 2006 e 2012, para viabilizar a construção de dois navios-sonda da Petrobras pelo estaleiro Samsung Heavy Industries.
O consultor da empresa, Julio Camargo, é quem revelou a transação dentro de um acordo de delação premiada – mecanismo que permite a um criminoso reduzir sua pena em troca da colaboração nas investigações.
Pela construção dessas duas sondas, ele teria feito pagamentos de propina que somaram US$ 40 milhões e beneficiaram também o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como lobista do PMDB – o que a sigla nega. Os dois também estão colaborando nas investigações.
Esse fluxo, porém, sofreu uma interrupção após a entrega das sondas, devido a problemas jurídicos envolvendo os contratos de venda. Segundo a denúncia da PGR, isso levou Cunha, com auxílio da então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), a apresentar dois requerimentos perante a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, com objetivo de pressionar pelo retorno dos pagamentos.
Os requerimentos solicitavam informações sobre Júlio Camargo, Samsung Heavy Industries e o Grupo Mitsui, envolvido nas negociações do primeiro contrato, ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério de Minas e Energia.
“Tudo ia bem na propinolândia, quando surgiu uma dúvida jurídica no contrato entre (Julio) Camargo e a Samsung”, disse Janot, ao fazer sua sustentação contra Cunha.
No entendimento de seis ministros, não há indícios suficientes de que Cunha tenha participado da negociação e realização desses contratos fraudulentos, junto com Camargo, Cerveró e Baiano. Prevaleceu o entendimento de que apenas a palavra dos delatores não seria suficiente para provar seu envolvimento nessa etapa do esquema de corrupção.
“Palavra do delator não representa nada em termos de prova. É apenas uma caminho para encontrar provas”, chegou a dizer Zavascki, no início do seu voto.
No entanto, os ministros entenderam que há indícios suficientes de que Cunha realmente pressionou posteriormente pela retomada dos pagamentos de propina, quando elas foram interrompidas – e, por isso, votaram para que ele vire réu e responda ao processo criminal.
O STF pode determinar o afastamento de Cunha da Câmara?
A aceitação de uma denúncia não implica em perda imediata do cargo público. No entanto, a PGR apresentou, no fim do ano passado, um pedido de afastamento de Cunha sob a justificativa de que ele usa sua função de presidente da Câmara para impedir investigações contra si.
Adversários do peemedebista acreditam que, ao torná-lo réu sob acusação de ter usado seu mandato para pressionar pela liberação de propina, o STF estaria mais sensível a aceitar seu afastamento do cargo.
No Supremo, porém, o pedido é considerado delicado, já que o afastamento de Cunha significaria uma forte intervenção do Judiciário no Poder Legislativo.
A solicitação de afastamento de Cunha tramita em sigilo e não há previsão ainda de quando será analisada pelo STF.
Qual a consequência dessa decisão para o processo no Conselho de Ética?
A decisão da maioria do STF de tornar Cunha réu deve dar mais robustez às denúncias contra ele no Conselho de Ética da Câmara, processo que no limite pode levar a sua cassação.
Após cerca de cinco meses analisando o caso, finalmente o conselho decidiu novamente na madrugada desta quarta-feira, por 11 votos a 10, abrir processo contra Cunha.
Antes disso, por meio de manobras de aliados dentro do conselho e na mesa diretora da Câmara, Cunha conseguiu diversas vezes barrar essa decisão.
A denúncia aceita refere-se apenas ao fato de ele ter mentido na CPI da Petrobras sobre a existência de contas milionárias na Suíça, em seu nome e de seus familiares. Agora, com a decisão da maioria do STF de aceitar denúncia contra Cunha, o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) afirmou que pedirá que as acusações de corrupção sejam também incluídas no processo do Conselho de Ética.
Por que Cunha não pode ser afastado imediatamente?
O que impede o afastamento automático de um parlamentar acusado de um crime é o princípio da presunção da inocência. Isso significa que o réu só pode ser considerado culpado se de fato for condenado após a conclusão do processo, no qual terá garantido amplo direito à defesa.
Há inclusive alguns parlamentares que já são réus e se mantêm no cargo, caso do presidente do Senado, Renan Calheiros. Em junho passado, a Justiça Federal de Brasília aceitou denúncia contra ele por improbidade administrativa, sob acusação de que Renan teria recebido propina da construtora Mendes Junior para pagar despesas de Mônica Veloso, com quem teve uma filha, fruto de uma relação extraconjugal.
Há também uma denúncia criminal contra ele pelo mesmo caso no STF, mas seu recebimento ainda não foi julgado, apesar de o caso remontar a 2007.
Cunha costuma reclamar que estaria sendo perseguido e cita as acusações contra Renan para ilustrar como outros casos não estariam sendo tratados como o mesmo alarde pela imprensa e a PGR.
Segundo levantamento de dezembro da revista eletrônica Congresso em Foco, há 148 parlamentares sendo investigados ou respondendo a processos no STF.
Há até um senador já condenado criminalmente pelo Supremo, Ivo Cassol (PP-RO), mas que permanece atuando como parlamentar enquanto o Supremo analisa um último recurso apresentado contra ele.
Quais são os dois outros inquéritos contra Cunha?
Em outubro, a PGR abriu um inquérito para investigar as contas milionárias de Cunha na Suíça, que teriam sigo irrigadas com propinas do esquema de corrupção da Petrobras.
Cunha diz que a origem dos recursos são negócios lícitos no exterior, como exportação de alimentos para a África. Diz ainda que é apenas “usufrutário” desse dinheiro.
Nesta semana, outro inquérito foi aberto para apurar suposto recebimento de R$ 52 milhões em propina do consórcio formado por Odebrecht, OAS e Carioca Christiani Nielsen Engenharia – que atuava na obra do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.
A defesa do presidente da Câmara não comentou essa nova investigação sob argumento de que ainda não teve acesso a seu conteúdo.