Decreto que autoriza PM a requisitar laudo pericial é 'sinal alarmante de poder autoritário em RO', diz sindicato
A mudança diz respeito a alteração do Artigo 3º do Decreto 21.256, de 2016, que estabelece os procedimentos adotados pelos órgãos de segurança pública.
O decreto assinado pelo Governador Marcos Rocha (PSL), que permite oficiais militares a requisitarem laudo pericial contra civis presos, causou repúdio no Sindicato dos Delegados de Polícia de Rondônia (Sindepro). A entidade considera o decreto “ilegal”, por desrespeito a Constituição e um “sinal alarmante de poder autoritário”.
A mudança diz respeito a alteração do Artigo 3º do Decreto 21.256, de 2016, que estabelece os procedimentos adotados pelos órgãos de segurança pública.
Na prática, o Decreto 23.682, que é de 27 de fevereiro de 2019, prevê que oficiais da Polícia Militar (PM) também poderão requisitar laudos periciais aos Instituto de Criminalística e Instituto Médico Legal (IML). Atualmente, o papel cabe a Polícia Civil (PC).
O Sindepro chegou a interpretar a decisão do governo com um sinal de “poder autoritário”, não condizente com uma democracia. O sindicato acredita que atribuir a oficiais militares o poder de requisitar perícias criminais configura uma flagrante violação por parte do atual governador a Constituição.
Segundo o Dr. Marcus Vinícius Xavier, professor universitário de Direito na Universidade Federal de Rondônia (Unir), o decreto permite aos oficiais miltares exercerem uma atribuição que não está prevista no Código de Processo Penal.
"A produção de laudos periciais, no geral, se processa no âmbito do inquérito policial quando em fase de investigação. Esta é uma atribuição privativa do delegado de polícia, que preside o inquérito policial, ato próprio da polícia judiciária. Oficiais da PM exercem atribuições próprias do policiamento ostensivo, que opera em nível preventivo-repressivo, e não investigativo" explica o professor universitário.
Para a presidência do Sindepro, o governo estadual violou os artigos 22 e 24 da Constituição Federal, ao legislar em matéria processual penal, tarefa que caberia ao Poder Legislativo, representado pela Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO). Ainda conforme a nota, tal ato não seria permitido nem mesmo ao presidente da República.
O professor universitário, entrevistado pelo G1, também concorda que há uma clara inconstitucionalidade na decisão do governador, podendo resultar, ainda, na anulação do decreto.
"Não tenho dúvida sobre a inconformidade desse ato administrativo. Somente a União pode legislar sobre direito processual, salvo a existência de lei complementar autorizando os Estados a fazê-lo, o que não há. Trata-se de clara inconstitucionalidade formal. A inconstitucionalidade material e a ilegalidade são flagrantes por se atribuir a oficial da polícia militar a atribuição privativa de delegado de polícia. Tanto a inconstitucionalidade como a ilegalidade geram a nulidade absoluta do Decreto", afirma o professor.
O que o novo decreto significa?
O Sindepro acredita que a decisão de permitir a policiais militares que solicitem perícias criminais, como laudos de drogas e exames de corpo de delito contra cidadãos civis presos, significa uma militarização sem precedentes ao andamento penal.
Na prática, o sindicato explica que o cidadão poderia perder o direito de ser encaminhado para delegacias e prestar a sua versão dos fatos ao delegado antes de ser enviado ao Judiciário, que expediria uma proposta de transação de pena, como já acontece.
Como exemplo, o sindicato traz o caso de um civil preso por desacato ou desobediência. A partir do novo decreto, o cidadão, em vez de ser levado para a delegacia, seria diretamente intimado ao fórum pelo oficial militar autor da prisão, já portando a perícia criminal determinada pelo mesmo PM.
Outras críticas
Em outro ponto da nota, o Sindepro inicia críticas específicas ao decreto, como a possibilidade de retirar a função ostensiva da PM e atribuir aos oficiais militares uma função mais judiciária. Essa possibilidade, segundo o sindicato, pode causar uma redução da “polícia fardada nas ruas” no combate a crimes graves, ao sobrecarregar a PM com “outros serviços”.
A presidência do Sindepro afirma, ainda, que o decreto teria como função criar um “ilusório aumento de poder por parte de oficiais militares”, classe da qual Marcos Rocha faz parte, como lembra o sindicato.
Segundo descreve o Sindepro, áudios de próprios oficiais militares em aplicativos de conversa mostram que um dos objetivos do novo decreto seria o de “pleitar um aumento remuneratório” a classe.
Para o professor de Direito o decreto também aparenta não ser uma medida que tem, como objetivo, melhorar a segurança pública no estado.
"Poderá surgir confusão de atribuições, conflitos entre as corporações e seus respectivos agentes, causando dificuldades para a eficiência investigativa. Ademais, a dispersão de competências parece atender muito mais a uma reclamação de tipo corporativo - que o governador seja oficial da reserva da PM - do que uma busca pela implementação de políticas de segurança pública que se orientem pelo direito e eficiência em prol da cidadania. Sinceramente, não sei quem ganha com esse tipo de movimento. O cidadão é que não é", acredita o Dr. Marcus Vinícius Xavier.
“Poder autoritário”
Em outro ponto da nota, o sindicato reforça a ilegalidade do decreto governamental, apontado que o Governador Marcos Rocha “extrapola seu poder regulamentar”. Segundo a categoria, a violação constitucional abriu “um precedente perigoso” no andamento penal.
A presidência do Sindepro afirma que atos, como a aprovação do novo decreto, já foram vistos em outros momentos da História e pode ser considerado um “sinal alarmante de poder autoritário”. Em outro trecho o sindicato cita a decisão como “algo inimaginável numa democracia, num governo de ordem jurídica, ainda, não militarizada”.
O Governo do Estado foi questionado acerca das críticas feitas ao novo decreto. A assessoria diz que vai se pronunciar sobre o caso, mas, até a publicação da reportagem, não divulgou nota.