Brasil registra queda de 25% nos assassinatos nos dois primeiros meses do ano
A queda é puxada principalmente pelos estados do Nordeste, que, juntos, registram a redução mais significativa do número de mortes (34%) – somente no Ceará o índice diminuiu 58%.
O Brasil teve uma queda de 25% no número de assassinatos nos dois primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. É o que mostra o índice nacional de homicídios criado pelo G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. Essa é a primeira parcial divulgada no ano.
De acordo com a ferramenta, houve 6.856 mortes violentas no primeiro bimestre de 2019. O dado só não comporta o Paraná. O governo do estado informa que os números de janeiro e fevereiro ainda estão sendo tabulados para posterior divulgação. Tirando o Paraná, houve 9.094 assassinatos no mesmo período de 2018. Ou seja, uma queda de 25%.
A queda é puxada principalmente pelos estados do Nordeste, que, juntos, registram a redução mais significativa do número de mortes (34%) – somente no Ceará o índice diminuiu 58%.
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O levantamento revela que:
quatro estados apresentaram uma redução superior a 30%;
o Ceará teve a maior queda no país: 58%;
apenas dois estados (Amazonas e Rondônia) tiveram aumento no número de mortes violentas.
A ferramenta criada pelo G1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.
Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Em março, o governo federal anunciou a criação de um sistema similar. Os dados, no entanto, não estão atualizados como os da ferramenta do G1. O último mês disponível é dezembro de 2018.
Os dados coletados mês a mês pelo G1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço ainda será realizado dentro do Monitor da Violência, separadamente, como em 2018.
Tendência de queda
Nem todos os estados possuem os dados de março. Até agora, só 16 têm a estatística. Com a exceção do DF, todos registraram queda em comparação com o mesmo mês do ano passado. Foram 2.190 mortes violentas, ante 2.969 de 2018, se forem contabilizadas apenas essas unidades da federação – uma queda de 26%.
Levando em conta esses dados, a queda no trimestre continua sendo de 25% no Brasil.
Os números mostram um declínio dos assassinatos. Em 2018, a queda foi a maior em 11 anos se for levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, apesar da tendência de queda, "os dados estão longe de apontarem para um quadro de redução ao longo do ano e apenas aumentam a responsabilidade dos novos governos estaduais e federal para a manutenção ou melhoria dos resultados”.
Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dizem que o país está diante de um "bom enigma". "É preciso identificar com precisão o que provocou esta inflexão para que políticas públicas possam ser mais bem efetivas. E isso só será possível com o investimento contínuo em monitoramento e avaliação de programas e ações."
Causas da redução
Bruno Paes Manso diz que é preciso lembrar que 2017 foi um ano atípico, em que o Brasil atingiu o ápice de mortes.
“A crise nos presídios acabou se desdobrando do lado de fora, criando problemas em vários estados. E ela produziu um tipo de intervenção mais concentrada e urgente, no centro nevrálgico desses conflitos. Uma intervenção decorrente de dez anos de discussões de uma rede de instituições criminais e da sociedade civil. Ou seja, não era necessário tirar medidas da cartola. Esse debate vinha sendo feito há muito tempo. E essas medidas acabaram cessando de algum modo a febre, fazendo com que a temperatura voltasse gradualmente a um patamar mais baixo", afirma Bruno Paes Manso.
Samira Bueno acredita que alguns fatores, como a criação do Ministério da Segurança Pública na gestão passada, ajudam a explicar essa queda. "Por mais que dinâmicas do crime organizado ajudem a explicar parte da redução, há outros fatores que precisam ser levados em conta. Pode existir, claro, uma relação com o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), já que sua implementação ocorreu num contexto de muita mobilização dos estados, pressionados pelos índices de criminalidade e pelo período eleitoral", diz.
"Também houve a aplicação de mais dinheiro federal, apesar da crise fiscal. Houve o descontingenciamento de R$ 2,8 bilhões do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) e uma mudança na lei pra que parte do recurso do fundo fosse utilizado em ações na área segurança. Foi criado também na gestão Temer o Ministério da Segurança Pública, que teve um papel muito importante nisso tudo. Ou seja, houve uma tentativa do governo federal de liderar o processo e coordená-lo minimamente", diz Samira Bueno.
'Regime de não conflito' no Ceará
O Ceará teve a maior queda no número de mortes violentas do país: 58%. O estado, que teve 844 assassinatos no primeiro bimestre de 2018, registrou 355 nos primeiros dois meses deste ano. A redução é significativa. Em janeiro, o Ceará teve centenas de ataques coordenados por facções criminosas por conta de medidas anunciadas no governo para tornar a fiscalização nos presídios mais rígidas.
Para o pesquisador Luiz Fábio Paiva, do Laboratório de Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), o que houve no Ceará foi o estabelecimento de "um regime de não conflito" entre as facções criminosas.
"Os eventos de janeiro, quando Fortaleza ficou sob ataques de grupos armados, demonstram que esses grupos continuam existindo e atuando, e exercendo o domínio territorial nas periferias urbanas. O que nós estamos experimentando agora é a reacomodação das forças", diz Luiz Fábio Paiva, da Universidade Federal do Ceará.
Por isso, Paiva não considera a situação como "uma pacificação, mas sim uma acomodação".
"Quando o Ceará estava sob forte ataque, era observado que havia situações que demonstravam um certo nível de cooperação desses grupos, sobretudo permitindo que determinados membros de uma facção passassem pelo território do outro sem sofrer alguma ação violenta", diz Paiva.
Ainda segundo o especialista, "dizer isso não é desqualificar os serviços de segurança pública, as forças policiais e o sistema de Justiça, mas reconhecer que eles não têm como serem os responsáveis por um processo que é muito maior".
De acordo com o secretário da Segurança Pública do estado, André Costa, a redução do número de homicídios ocorre desde o ano passado devido a um "conjunto de ações" elaboradas em 2017. Entre as estratégias, segundo Costa, estão o combate à "mobilidade do crime", evitando furto e roubo de veículos e recuperando automóveis roubados; investimento em ciência e tecnologia para estudar a atuação de criminosos; e ações da Secretaria da Administração Penitenciária, que dificultam a comunicação de presidiários que comandam facções criminosos e ordenam crimes de dentro das prisões.
"Os resultados vão acontecendo porque, à medida que o tempo passa, [com] as inovações que a gente trouxe, os policiais passam a confiar, acreditar, e leva tempo também para ter todo o aprendizado cultural de trabalhar com novas ferramentas", afirma.
Embora os números deste ano sejam menores que os de 2018, ainda há casos de repercussão no estado. A vendedora Lidiane Gomes da Silva, de 22 anos, por exemplo, foi assassinada pelo ex-companheiro dentro de um shopping em Maracanaú. Antes do assassinato, ela relatou a um amigo, em conversa pelo WhatsApp, que sofria ameaças após a separação. O homem se matou após o crime.
Nordeste em queda
Assim como o Ceará, todos os outros estados do Nordeste registraram uma queda no período analisado. Rio Grande do Norte e Pernambuco também tiveram quedas expressivas, de 42% e de 33%, respectivamente.
Segundo o coronel Francisco Canindé de Araújo Silva, secretário de Segurança Pública e da Defesa Social do Rio Grande do Norte, uma maior integração entre os órgãos públicos é um dos fatores por trás da queda.
“A redução dos índices de criminalidade (...) deve-se a um melhor planejamento das ações das instituições de segurança pública, uma maior integração – tanto das instituições do estado, como das instituições federais que estão aqui no Rio Grande do Norte, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as próprias Forças Armadas –, o apoio do Ministério Público e do Poder Judiciário, a abnegação dos policiais nessas ações, um maior controle do sistema prisional e, também, o apoio inconteste do governo do estado a todas essas ações de nossas instituições.”
Em Pernambuco, segundo o secretário de Defesa Social do Estado, Antônio de Pádua, uma série de investimentos foi feita no estado nos últimos anos, principalmente na área de pessoal. Segundo ele, novas contratações possibilitaram aumentar a presença da polícia no interior e criar cinco novas unidades da Polícia Científica.
“[O investimento em pessoal] também possibilitou uma melhora na qualidade de resolução do inquérito policial. Tivemos um índice de mais de 50% de resolução em 2018. No primeiro bimestre de 2019, estamos chegando a quase 60% dos inquéritos. (...) Isso significa que a polícia está encontrando os autores dos crimes e representando pela prisão”, diz Antônio de Pádua, do governo de Pernambuco.
José Nóbrega, doutor em ciência política pela UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal de Campina Grande, destaca que os dados do primeiro bimestre deste ano ainda são provisórios e podem ser ajustados, mas que há uma tendência de queda desde 2018. Determinar o que está por trás dos números e da queda, porém, é difícil por conta da falta de informações.
“Não temos informação de qualidade para atribuir a redução a algum fator, seja ele referente às tomadas de decisão do estado ou a fatores socioeconômicos. Precisamos analisar o nível do impacto do governo na redução de crimes e, por exemplo, o quanto o Produto Interno Bruto influenciou nisso, qual a taxa de desocupação das pessoas. Sem isso, fica tudo muito lacunar”, diz.
Já no Amapá, que também teve uma queda superior a 30% no número de mortes, a Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública atribui o fato a políticas de segurança pública implementadas pelo governo, "como a contratação de novos policiais, aquisição de novas viaturas, operações policiais rotineiras, treinamento das forças de segurança e o serviço de inteligência das polícias".
Leve aumento
Apenas dois estados tiveram aumento no número de mortes violentas nos primeiros dois meses deste ano: Rondônia (3,9%) e Amazonas (3,3%). Os aumentos foram leves e não chegaram a dois dígitos em nenhum dos casos, mas, mesmo assim, mostram um movimento contrário ao resto do país.
Apesar de estar entre os estados que apresentaram alta, o governo do Amazonas destaca que, considerando os dados do trimestre e não do bimestre, os números de morte violenta caíram em comparação com o mesmo período do ano passado.
"O número de homicídios registrado em janeiro, período de transição, quando a nova administração estava começando a implantar as novas diretrizes de segurança, influenciaram nesse resultado [de queda no bimestre]. Contudo, a partir de fevereiro, houve redução da criminalidade, tanto em casos de homicídio, latrocínio, como nos casos de roubos", afirma a Secretaria de Segurança Pública do estado. "Vale destacar que, somente em março, o número de homicídios na capital amazonense (58) foi o menor desde 2011."
Entre as medidas adotadas pela gestão, a secretaria destaca a realização de nove operações policiais. Em fevereiro, também foi feita uma operação específica para combater homicídios, chamada de "Pronta Resposta". Na ocasião, foram presos 52 suspeitos de envolvimento em homicídios, latrocínios, roubos e tráfico de drogas.
O motorista de ônibus Antônio Bento da Silva, de 48 anos, é uma das vítimas de mortes violentas no Amazonas. Em março deste ano, ele reagiu a um assalto ao ver que os criminosos estavam sem arma, mas foi jogado para fora do ônibus em movimento. Ele bateu a cabeça no meio fio, foi levado para o pronto-socorro e não resistiu aos ferimentos.
O crime ocorreu às 5h40 na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Manaus. Antônio trabalhava na empresa de ônibus havia seis anos e, segundo os amigos, deve ser lembrado pelo bom humor e pelo amor que tinha pelo trabalho e pela família.
“A justiça vai ser feita, Deus vai mostrar quem fez isso para o meu compadre. Ele era um homem bom, só vivia para a família. Era um pai de família que saia para trabalhar honestamente e não escolhia trabalho”, disse a amiga do motorista, Eunice Lopez, de 59 anos.
Em Rondônia, a Secretaria de Segurança também relativiza o dado. E diz que, se for levado em conta o dado de março, houve queda no trimestre.
"Em razão da complexidade de fatos que envolvem esta prática delitiva, entendemos não ser a melhor prática para efeito de análise comparativa restringir a lapso temporal curto, como comparativos mensais, sob pena de não termos a compreensão real do avanço ou diminuição da criminalidade, especialmente nessa modalidade delitiva. Entendemos que o prazo de um ano nos permite uma melhor compreensão dessa dinâmica criminosa. Mas destacamos que para efeito de políticas de segurança pública e enfrentamento dos crimes são analisados dados diários, para que continuemos reduzindo os índices como já ocorre no caso do crime de homicídio nos primeiros três meses do ano, com a redução de 6,3% em comparação ao mesmo período do ano de 2018."