26/04/2019
Janaina Paschoal: “Alguns bolsonaristas são tão cegos quanto todos os petistas”
Deputada diz que não imaginava que dentro do PSL pudesse haver esquemas de laranjas e defende a candidatura independente, mas nega planos de deixar a legenda. “Todos os partidos acabam ruins”.
Entre uma visita e outra em seu concorrido gabinete na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Janaina Paschoal (PSL), a deputada mais votada da história, recebeu o EL PAÍS. “Ainda vou conhecer o Jalapão e fazer rafting lá”, disse a uma das visitas que saiam pela porta. Em seguida, emendou: “entre, querida”, disse, convidando a reportagem e omitindo o adjetivo “amada”, seu generalismo favorito com o público no Twitter, onde tem mais de 460.000 seguidores. “Quer um chocolate? Eu não como, mas sempre tenho para oferecer a quem vem aqui”.

Ela conta que entra gente “o tempo inteiro” em seu gabinete. “A pessoa chega com um processo pessoal e acha que eu tenho que resolver, entendeu? E aí eu explico para a pessoa que eu nem posso me meter numa questão pessoal. Que o deputado resolve questões coletivas. Eu não posso me meter numa briga pessoal, entende? E é muito difícil, porque às vezes a pessoa pergunta: 'Então para que que eu tenho uma deputada?'. É como se a gente fosse um animal de estimação. 'Eu tenho uma deputada para isso…'. A gente gasta muito tempo atendendo as pessoas para explicar.”

Pergunta. A senhora não imaginava que o assédio como deputada poderia ser assim?

Resposta. Nesse nível não.

P. Mesmo sendo a deputada mais votada da história? Porque o nível de expectativa muda, né?

R. Essa cobrança pessoal, de coisas pessoais, eu não imaginava. Mas eu estou tentando criar um padrão. Às vezes eu vou lá em cima (na tribuna) e explico que não é assim, aí quem está assistindo, aos poucos vai entendendo.

Usando uma corrente dourada no pescoço, com um pingente escrito Fé, a advogada que escreveu o processo de impeachment de Dilma Rousseff vestia uma blusa vermelha, que ela garante ser peça única. “Eu gosto muito de preto e cinza, né? Só tenho esta vermelha”. Em sua sala, repousa sobre a mesa uma bíblia, nenhum porta-retratos ou enfeites. Em menos de dois meses de mandato, as peças pessoais que marcam seu gabinete são um quadro de São Jorge e um outro dela mesma, pintado com as cores da bandeira do Brasil ao fundo, ambos pendurados na parede.

P. A senhora cobrou, publicamente em sua conta no Twitter, o afastamento do ministro do Turismo…

R. Eu já falei em várias entrevistas, já falei para a bancada, já falei com o próprio ministro do Turismo. Só que aí eu não tenho poder. Eu falei para ele: “ministro, eu não tenho nada contra o senhor. Eu não conheço o senhor pessoalmente. Eu não conheço as mulheres [envolvidas], eu não tenho por que falar se o senhor é culpado, mas eu também não tenho como dizer que o senhor é inocente e todas essas mulheres são mentirosas. Por que então o senhor não se afasta, mostra essa inocência que o senhor está alegando e que pode ser que seja mesmo. Não quero ser injusta, sabe? Mas o senhor compromete o governo”. Mas ele acredita que se afastando ele vai estar assumindo a culpa. É uma mentalidade equivocada e que, de certa forma, era a mentalidade da presidente Dilma que eu sempre critiquei. As críticas que eu fazia naquele momento, eu faço neste quando elas forem cabíveis.

P. A senhora imaginava que pudesse haver casos como o das candidaturas laranja dentro do PSL?

R. Não. Eu imaginava alguma divergência de posicionamentos. Para isso eu já estava preparada (risos). Eu sei que tem muitos pontos em que eu penso diferente e eu sou muito respeitosa com o pensamento divergente, então tudo bem. Agora esse tipo de problema eu não imaginei.

P. Com todas as críticas ao PSL, a senhora pensa em sair e fundar outro partido?

R. Não. Eu acho que todos acabam ficando ruins.

P. Necessariamente?

R. Sim. Eu não vejo um que não tenha problemas graves.

“Não gosto muito dessa coisa de ser base ou oposição. Eu não tenho planos de deixar o PSL”

P. A senhora inclusive já disse que o PSL está cada vez mais parecido com o PT. Por quê?

R. Essa manifestação não tinha a ver com corrupção, porque eu acho que nada chega perto do nível que o PT alcançou. Foi por causa da interferência do presidente no preço do diesel. Essa questão intervencionista. E alguns bolsonaristas são tão cegos quanto todos os petistas, né? Não conseguem entender que você pode fazer uma ponderação sem querer destruir. Essa necessidade de defender todas as posições, de sempre ver o seu líder com razão…. isso é um comportamento muito petista. É muito ruim. E alguns bolsonaristas são assim também.

P. O PT não está no Governo desde 2016. Eu já vi algumas entrevistas a senhora dizendo que queria “livrar a sociedade do PT”....
A deputada em seu gabinete em São Paulo.
A deputada em seu gabinete em São Paulo. Rebeca Figueiredo

R. Acho que faz tempo que eu não digo isso, né? Foi quando estava no meio do processo [de impeachment].

P. Sim. Mas hoje a sociedade está “livre” do PT no Governo.

R. No Governo, mas da mentalidade petista não.

P. Mas, na sua opinião, o que mudou depois que o PT saiu do poder?

R. Houve alguns avanços. Por exemplo, o encaminhamento dessa reforma da Previdência, que é muito necessária. Eu acho que vai ser a modificação, parece brincadeira, mas eu tenho essa convicção de que vai ser a principal reforma social que nós vamos fazer neste país. Porque essa aposentadoria das castas do funcionalismo público, inclusive dos políticos, são insustentáveis matematicamente. Então é uma reforma social que está sendo feita.

P. A reforma ainda caminha a passos lentos no Congresso. A senhora acha que vai passar?

R. Tem que passar. É matemática. Tem que passar.

P. Mas tem um jogo político.

R. Mas por isso que a gente tem que explicar que é uma reforma social. É uma reforma para o vulnerável. Tem cabimento o assalariado pagar INSS para pagar as aposentadorias de pessoas que ganham 40.000 reais por mês de aposentadoria? Tem que acabar com isso aí. É injusto! Então a apresentação dessa reforma, o ministro Paulo Guedes brigando por isso, é uma evolução sem precedentes. O Moro no ministério da Justiça, como ministro de Estado. Nos últimos anos, nós tínhamos advogados do presidente no Governo. O Moro é um ministro de Estado. Em nenhum momento ele faz defesa do presidente, ele está cuidando de uma política de enfrentamento à corrupção, ao crime organizado. Isso é uma evolução sem precedentes. O trabalho do ministro Tarcísio [Gomes de Freitas] é importantíssimo na questão da infraestrutura… Houve muita evolução. Eles estão debatendo questões que são próprias da democracia. Será que a gente precisa de tantos conselhos? Com tantos membros? com tanto peso em termos de valores? Será mesmo que home schooling é algo ditatorial, ou não é reconhecer que as famílias podem querer educar seus filhos de maneira diversa?

P. Mas e em relação à corrupção? O que mudou?

R. Melhorou 100%. A gente tem um episódio, que precisa ser esclarecido, do [Fabrício] Queiroz. Mas é anterior e não tem nada a ver com a presidência. Essa questão das candidaturas laranja, que eu desde o princípio pedi para que fosse esclarecida, que é da época da eleição. Você não tem nada, não tem um senão do período de governo do presidente. E todos os escândalos do Governo Dilma e Lula eram do período do Governo, tanto é que teve o impeachment. Então está muito melhor [agora].

“Se as candidaturas avulsas forem admitidas, eu vou avaliar ficar independente”

P. Sobre a atuação da senhora aqui. Faz um mês que a senhora tomou posse. Quais projetos apresentou?

R. Apresentei dois e uma emenda, que pode virar três, e estou para apresentar mais alguns. Um deles garante que a criança que faz o ensino infantil, e está capacitada para seguir para o fundamental, tenha o direito de progredir mesmo que ela não tenha seis anos completos até o dia 31 de março. Porque hoje, se ela faz aniversário até o dia 31 de março, ela progride. Se ela faz aniversário dia 2 de abril, a turminha vai e ela fica. É injusto! Apresentei outro projeto, que é a menina dos olhos, que garante às parturientes que querem fazer parto normal o direito à anestesia. Não é obrigar, mas a realidade das nossas mulheres do SUS é que elas imploram para serem anestesiadas e não são, porque não tem anestesia… Eu fui lá e vi que tem anestesia mas não tem quem aplique. Desculpe, mas as nossas mulheres não podem ser torturadas.

P. E as cesáreas?

R. Na rede pública existe o protocolo de que todo mundo tem que pelo menos tentar exaustivamente o parto normal. E a cesárea vai no caso de emergência. O que acontece? Mulheres que já estão com 40 semanas, ninguém discute que esse bebê está pronto, ficando 15, 16, 20 horas tentando um parto normal. Passa do tempo, quando a criança não morre, fica sequelada. Isso é fato. Acompanhei casos na condição de advogada e prometi a mim mesma que eu ia mexer nesse vespeiro. Eu já apresentei esse projeto. Fui no conselho regional do Rio, expus o projeto, debati com os médicos. Vou no conselho em São Paulo, estou falando com profissionais de saúde e da área de bioética, porque eu sou professora de bioética da USP.

“Se quiser criar uma categoria de mulheres trans, ótimo. Mas colocar numa competição de judô uma mulher trans e uma mulher biológica para lutar não é justo”

P. A senhora tratou também de mulheres transexuais?

R. Emendei o projeto polêmico do colega Altair Moraes referente à disputa nos jogos esportivos envolvendo mulheres transexuais. Ele tinha vedado a participação de mulheres transexuais e eu mudei a redação, mostrando que as mulheres transexuais têm todos os direitos iguais às mulheres biológicas, porém, quando o jogo depende de força ou de velocidade não é justo colocar uma contra a outra. É necessário que o sexo biológico seja levado em consideração. Se quiser criar uma categoria de mulheres trans, ótimo. Se quiser que em toda equipe tenha uma mulher trans, você vai até criar um nicho de trabalho, mas colocar numa competição de judô uma mulher trans e uma mulher biológica para lutar não é justo. De novo as mulheres vão ficar em terceiro plano?
Festas sem álcool e defesa pessoal para meninas

A deputada também prepara um projeto vedando completamente bebidas alcoólicas nas escolas e universidades. – Principalmente as festas open bar. Porque eu acompanhei muitos casos de as pessoas entrarem nessas festas, beberem até cair, praticarem atos ilícitos, serem vítimas de vários atos ilícitos e o ambiente escolar não é para isso.

Em outra ponta, a deputada trabalha por um projeto para que as aulas de educação física das meninas incluam aulas de defesa pessoal. Há outros planos a caminho, como uma emenda contra o aumento da verba de gabinete para veículos,  e um projeto para extinção de cargos na Assembleia. Empenhada em mudanças na Casa onde estreou, diz que não se interessa em se candidatar a prefeita no ano que vem.

P. A senhora repetiu algumas vezes já que não quer ser candidata a prefeita de São Paulo, apesar de ter sido a deputada mais votada da história…

R. Eu digo que não serei, não é que eu não quero.

P. Mas a senhora também dizia que não entraria na política…

R. Mas o problema da Prefeitura é que não tem a ver com o que eu preciso. Eu preciso falar. Na Prefeitura eu não tenho essa liberdade.

P. Mas e se o PSL quiser te lançar?

R. Não serei. Já tem uma colega que quer, a Joyce. Ela quer. Eu não quero. Eu não vou entrar nessa disputa só para ir contra alguém que quer.

P. E não tem a possibilidade de a senhora mudar de ideia?

R. Não. A Prefeitura vai me deixar amarrada. Eu não vou poder falar. Como eu vou poder me meter na situação do Supremo, como eu já tenho feito intensamente, sendo prefeita? Não dá. Eu preciso estar no Parlamento.

P. Durante a eleição, a senhora chegou a dizer que apoiava o Bolsonaro porque não queria o PT. A senhora entraria para a oposição se o Governo Bolsonaro te decepcionar?

“A Prefeitura vai me deixar amarrada. Eu não vou poder falar. Não dá. Eu preciso estar no Parlamento.”

R. Eu não gosto muito dessa coisa de ser base ou oposição. A gente tem que falar caso a caso. Eu não tenho planos de deixar o PSL.

P. Mesmo com as críticas que a senhora vem fazendo?

R. Não, porque para onde é que eu vou? Me aponte um partido que não tenha problemas. Se as candidaturas avulsas forem admitidas, eu vou avaliar ficar independente. Mas sair do PSL para ir para outro…. A não ser que eles me expulsem (risos).

P. O que a senhora avalia bem e mal até esse momento, do Governo Federal?

R. O que eu avalio bem? Primeiro que ele [Bolsonaro] é uma pessoa transparente, ele fala o que pensa mesmo quando a gente não concorda. Isso é um ativo pra mim. Eu gosto de pessoas transparentes, de pessoas sinceras. O ministro Guedes, o ministro Moro, o ministro Tarcísio. A própria ministra Damares [Alves], que é polêmica, mas tem pautas importantíssimas, como a questão do suicídio entre jovens. Acho que é uma mulher que tem uma individualidade, é forte, se impõe no que ela acredita. Não concordo com tudo, mas gosto dela. O que é ruim? Acho que o presidente, talvez por ser uma pessoa bondosa, tem dificuldade de demitir. Ele demora para tomar a decisão. Ele demorou muito para demitir o ministro da Educação. A própria demissão do ministro Bebianno, não vou entrar no mérito, mas foi uma coisa muito desgastante.

P. Acha que é uma questão de bondade ou falta de traquejo com o lugar onde ele está?

R. Eu acho que ele tem pena. Ele fica esperando que a pessoa tome a iniciativa. Acho que é bondade, mas tem hora que não dá pra ser bom. Quando você está num cargo público, não é nem bom nem mau, você tem que ser criterioso.









 

Fonte: Marina Rossi - El País Brasil
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