14/04/2016
Em meio à crise, Câmara registra maior troca-troca de partidos desde 2003
Em meio à grave crise política que o país atravessa, a Câmara dos Deputados registrou o maior troca-troca partidário em mais de uma década.

Segundo levantamento da BBC Brasil a partir de dados oficiais da Casa, 99 deputados trocaram de partido em 2016, até o momento. Isso representa 19,3% do total, ou seja, praticamente um quinto dos 513 integrantes da Câmara.

O número já supera o registrado em 2005, ano do escândalo do Mensalão, quando 95 deputados mudaram de sigla. Por hora, perde para o primeiro ano do governo Lula (2003), quando 107 trocaram de partido.

A maior parte dessas migrações aconteceu entre fevereiro e março deste ano, quando ficou aberta uma "janela" para trocas sem risco de perda de mandato. Essa possibilidade de punição em caso de trocas não justificadas foi estabelecida no final de 2007 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exatamente com objetivo de coibir o excesso de mudanças de siglas.

"Vinte porcento dos deputados mudarem de legenda, isso é avassalador para uma democracia tradicional. Se você olhar parlamentos de outros países, não há uma mudança dessa magnitude", nota o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ.

O PP, partido com mais integrantes citados na Operação Lava Jato, liderou os ganhos, ao atrair doze novos deputados e perder apenas dois.

Foram entrevistados parlamentares e analistas políticos para entender o fenômeno – a maioria aponta as eleições municipais deste ano como principal motivador da intensa troca de sigla. De acordo com eles, muitos deputados migraram de legenda na busca de melhores condições para se candidatar a prefeituras em seus Estados.

Para alguns, no entanto, a crise política também teve papel importante na intensificação da infidelidade partidária nos últimos meses.

A janela para o troca-troca foi criada por meio de uma emenda à Constituição Federal aprovada pelos deputados em junho, mas que só passou no Senado em dezembro, uma semana depois do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, dar início ao trâmite do impeachment da presidente Dilma.

"Houve duas razões para os parlamentares aprovarem a emenda. Uma era essa oportunidade de poder concorrer à eleição municipal. A segunda razão foi procurar um partido que também desse liberdade para votar de acordo com sua consciência, com a orientação do seus eleitores (no processo de impeachment). A crise teve influência", afirma Antônio Augusto de Queiroz, analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

De acordo com Queiroz, a ideia de criação da janela fazia parte de uma estratégia de Cunha para acomodar parlamentares oposicionistas em outros partidos, caso o PMDB não optasse pelo rompimento com o governo da presidente Dilma Rousseff.

"É por isso que quem ganhou mais parlamentares foram os partidos que nunca fecham questão em nada, sempre liberam os parlamentares para votar de acordo com seus interesses", notou.

Maiores ganhadores

O levantamento revela que legendas consideradas de "centro" foram as que mais atraíram deputados nos últimos meses, como PP, PTN e PR – o balanço inclui as mudanças a partir de setembro, quando a criação de dois partidos (Rede e PMB) deu início ao troca-troca.

Diante do forte desgaste do governo, poderia se esperar um desempenho melhor das siglas que têm um histórico de oposição. No entanto, com exceção do DEM, que apresentou crescimento significativo, as demais (PSDB, PPS, Solidariedade e PV) encolheram.

As maiores quedas foram registradas em PT (-5), PTB (-7) e PROS (-8).

Ex-ministro de Dilma e atual líder do PP na Câmara, o deputando Aguinaldo Ribeiro disse à BBC Brasil que o principal motivo que atraiu novos parlamentares ao partido foi a possibilidade de concorrer nas eleições municipais deste ano.

"Alguns estavam em partidos menores, não teriam a mesma estrutura que nós podemos oferecer. Outros estavam em partidos maiores, mas nesses casos a legenda já tinha outro nome em vista", explicou.


Flexibilidade

Ele reconhece, porém, que a postura mais flexível do PP pode ter atraído deputados. "PT e PSDB estão muito desgastados. Os deputados podem ter visto partidos de centro como uma opção. São mais flexíveis, negociam com o governo", afirmou.

Atualmente com a quarta maior bancada da Câmara (47 deputados), o PP foi fortemente assediado pelo governo petista nos últimos dias com a oferta de cargos na administração federal. O partido ensaiou apoio contra o impeachment, mas nesta terça anunciou que vai votar a favor da abertura de um processo contra Dilma.

"O PP não vai punir ninguém (por seu voto sobre o impeachment). Cada um poderá votar dentro das suas convicções", disse à BBC Brasil o presidente do partido, senador Ciro Nogueira (PI), na segunda-feira, por meio de sua assessoria.

Em seu quarto mandato na Câmara e em seu segundo partido, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) critica o excesso de infidelidade partidária e diz que são os interesses eleitorais o principal motivo das mudanças. Ele saiu do PT após a crise do mensalão.

"Falta qualquer critério ético da maioria dos parlamentares para troca de partidos e isso é atestado pelo fato do queimadíssimo PP, em função de arranjos eleitoreiros regionais, ter sido a legenda que mais cresceu. É patético", disse.

Partido da Mulher Brasileira

O caso do Partido da Mulher Brasileira (PMB), criado em setembro, ilustra bem a total falta de ligação ideológica dos deputados com seus partidos.

A sigla, a 35ª do país, nasceu do esforço pessoal da sua presidente, Suêd Haidar Nogueira, que durante anos viajou o país coletando as assinaturas exigidas pelo TSE. Rapidamente atraiu 23 deputados, tornando-se uma bancada relevante na Câmara.

No entanto, após a abertura da janela de infidelidade partidária, houve uma debandada, tendo sobrado apenas Weliton Prado (MG), oriundo do PT.

O que explica o forte crescimento do partido no ano passado foi a incerteza dos deputados quanto à aprovação da janela. Atualmente, a legislação prevê que a migração para novos partidos é uma das poucas opções que permite a troca de legenda sem risco de perda do mandato - essa regra contribuiu para impulsionar a criação de uma série de legendas nos últimos anos, como PSD, Solidariedade e PROS.

Entre os que tiveram passagem relâmpago pelo PMB, chama atenção o caso do deputado pernambucano Adalberto Cavalcanti – nos últimos meses ele mudou de partido três vezes, passou também pelo PT do B, e acabou voltando para a mesma legenda que tinha saído, o PTB.

Possível debandada do PT

De setembro para cá o PT perdeu cinco deputados federais – diante do tamanho da crise que atinge o partido, foi um número pequeno, acredita o professor da UFRJ Jairo Nicolau.

"É muito pouco. Estão firmes. Sair agora é ter mais problemas com as bases, que estão muito ativadas politicamente. (Podem) pegar uma pecha de traidor."

Um dos que saiu e acabou sendo criticado por seus eleitores foi Alessandro Molon (RJ), hoje na Rede. "Saí não por causa da crise política, mas da crise do partido. Não vi disposição (dentro do PT) para resolver seus problemas. A Rede também é um partido do campo progressista", disse.

O PT, no entanto, ainda corre o risco de sofrer uma debandada. O deputado Zé Geraldo (PT-PA), que não pretende deixar a legenda, confirmou à BBC Brasil que existe a discussão revelada nesta semana pelo jornal Folha de São Paulo, mas ressaltou que não há nada definido no momento.

Segundo reportagem do diário paulista, 26 deputados estariam avaliando a desfiliação coletiva do partido após as eleições municipais. Hoje, há 57 deputados federais petistas.

Em 2005, ano do escândalo do mensalão, oito deputados federais deixaram o partido.





 



Fonte: BBC BRASIL
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