Sergio Moro enfrenta sua primeira prova de fogo no Senado após vazamentos
Até o momento o ministro e o Ministério Público Federal minimizaram as críticas de que foram alvo após a publicação dos diálogos. Em entrevista ao Estado de São Paulo Moro negou qualquer ilicitude e disse não reconhecer a autenticidade do material.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, enfrentará às 9h desta quarta-feira uma prova de fogo no Senado. Ele se ofereceu para ir à Comissão de Constituição Justiça e Cidadania da Casa esclarecer o conteúdo dos diálogos divulgados nas reportagens do The Intercept Brasil. A decisão de comparecer espontaneamente foi tomada com o objetivo de desidratar as articulações em torno de uma CPI para apurar o caso. Além disso, senadores já preparavam requerimentos para convocar o ministro, o que ampliaria o desgaste do Governo. Moro terá que lidar com uma bateria de questionamentos vindos da oposição e de parte do centrão a respeito das possíveis ilegalidades cometidas por ele e pelos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, em especial Deltan Dallagnol, coordenador do grupo. Também está prevista para o dia 26 de junho a ida do ex-juiz na condição de convidado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara para um segundo round de questionamentos.
Até o momento o ministro e o Ministério Público Federal minimizaram as críticas de que foram alvo após a publicação dos diálogos. Em entrevista ao Estado de São Paulo Moro negou qualquer ilicitude e disse não reconhecer a autenticidade do material: "Eu não excluo a possibilidade de serem inseridos trechos modificados", afirmou, fazendo a ressalva de que "algumas coisas podem ter sido coisas que eu tenha dito". Esta deve ser a tese adotada pela tropa governista durante o questionamento a Moro na Comissão. Os senadores da base devem insistir na possibilidade de que as mensagens foram adulteradas por um hacker, além de apostar no fato de que o conteúdo foi supostamente obtido de forma ilegal, logo seu teor deveria ser desconsiderado.
Apesar da aparente calma com que o ex-juiz trata o assunto, o conteúdo divulgado até o momento dá munição de sobra para a oposição. Embasada pelo parecer de juristas, advogados e até ministros do Supremo Tribunal Federal, que condenaram o envolvimento e a ajuda de Moro a Dallagnol, os parlamentares devem insistir no discurso de que o magistrado foi parcial na condução dos processos —em especial no do ex-presidente Lula. Os principais questionamentos ao ministro no Senado devem girar em torno dos seguintes pontos:
Moro orientando Dallagnol
Em diversos trechos do diálogo Moro orienta e dá dicas para o procurador. Os conselhos abrangem uma série de assuntos. O juiz sugere a troca de ordem de fases da Lava Jato, critica recursos do MPF, consulta o procurador com relação à abertura de sigilos e cobra mais rapidez: “Não é muito tempo sem operação?”, indaga nas conversas. Em uma das reportagens mais recentes de The Intercept, consta um trecho no qual Moro sugere a Dallagnol que os procuradores elaborem uma nota rebatendo a defesa de Lula, que teria dado "showzinho", segundo o magistrado. As orientações de Moro a Dallagnol são um dos pontos que mais foram criticados pela oposição e por juristas. A análise é que o juiz apresenta uma conduta parcial, orientando uma das partes (a acusação) e violando o principio da isenção que se espera do magistrado.
Até o momento o ministro minimizou qualquer malfeito: "não tem nenhum comprometimento das provas, das acusações, do papel separado entre o juiz, o procurador e o advogado". Dallagnol afirmou que “conversas entre advogados e procuradores e o juiz sem a presença da outra parte são normais”. Boa parte da comunidade jurídica discorda desta leitura, e aponta que, da maneira como foi conduzido o diálogo, fica evidente a tentativa do magistrado de ajudar a acusação, o que pode provocar a suspeição do mesmo e, em último caso, a anulação de processos.
Moro indica testemunha
Em outro trecho Moro viola novamente as atribuições de seu papel de juiz ao indicar uma testemunha para ajudar o procurador Dallagnol. Segundo ele, trata-se uma pessoa que potencialmente poderia prejudicar o ex-presidente Lula, então em liberdade. “Seguinte: fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido ela solicitada à lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-presidente [Lula]. Aparentemente, a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria”, escreveu Moro. O nome desta potencial testemunha não é revelado nos diálogos divulgados. A sugestão de testemunhas ou fontes por parte do juiz é uma prática irregular, violando a imparcialidade do magistrado, que não pode aconselhar as partes do processo. Dallagnol agradece a gentileza do juiz e afirma que entrará em contato.
Sobre este ponto Moro afirmou ao Estadão que "tudo o que chegava que era relevante, ou a gente encaminhava para a polícia ou Ministério Público, seja lá se a informação eventualmente beneficiava defesa ou acusação", e que o objetivo era "descobrir a verdade".
Dallagnol diz para Moro que irá plantar denúncia anônima falsa
Logo após Moro indicar uma testemunha para a acusação, Dallagnol agradece e diz que irá atrás da pessoa. Minutos depois, o procurador responde: “Liguei e ele arriou [desistiu]. Disse que não tem nada a falar etc… Quando dei uma pressionada, desligou na minha cara… Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa”. Apesar de haver previsão legal para o uso de notícia apócrifa, também conhecida como denúncia anônima, ela jamais poderia partir de um procurador do caso.
Da forma proposta por Dallagnol, a denúncia poderia ser encaminhada de duas maneiras. A primeira, ser repassada para algum veículo de imprensa e, posteriormente, serviria como base para que a pessoa mencionada fosse intimada a depor. O segundo seria o procurador afirmar ter recebido denúncia anônima envolvendo a fonte em questão. Especialistas ouvidos dizem que o método sugerido por Dallagnol é ilegal, equivaleria a uma fraude processual. Moro, que poderia ter desaconselhando o uso do expediente irregular colocando um ponto final na questão, se resume a sugerir que tudo seja formalizado: “Estranho pois ele é quem teria alertado as pessoas que me comunicaram. Melhor formalizar, então”. Pelo trecho divulgado no The Intercept não se sabe se o expediente foi colocado em prática ou não.
Politização da força-tarefa e da Justiça
Moro também deve ser instado a comentar mensagens relacionadas ao movimento antipetista. Em mensagem trocada após manifestações de rua pela saída da então presidenta Dilma Rousseff, em março de 2016, ele é parabenizado por Dallagnol: “Parabéns pelo imenso apoio público hoje. Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado)”. Moro responde: “Parabéns a todos nós”.
Mensagens falsas
A tropa governista deve bater na tecla de que um hacker, suposto responsável por invadir os aparelhos celulares dos procuradores pode ter forjado conversas com o intuito de comprometer as partes —Moro diz que seu telefone foi clonado, mas não foram obtidos dados; o The Intercept Brasil não revela como obteve as informações. Apesar do ministro e do MPF terem inicialmente publicado notas nas quais não negavam a autenticidade das conversas divulgadas, esta tese das mensagens forjadas ganhou tração após um hacker ter acessado o telefone de integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e se passado por um deles na semana passada. Esta tese, no entanto, esbarra em alguns problemas. Primeiro: nada garante que a pessoa que violou os equipamentos dos membros do CNMP seja a mesma que obteve os dados de Moro e dos procuradores de 2015 a 2017. E, segundo, o argumento é enfraquecido pelo fato de que inicialmente tanto o ministro quanto o MPF apenas criticaram a divulgação das conversas sem denunciar a eventual falsidade das mensagens.