Ação que pede Delegacia da Mulher 24h por dia completa 6 anos sem julgamento em RO
Atualmente, as mulheres que sofrem violência doméstica em Porto Velho fora do horário de funcionamento da DEAM precisam recorrer às delegacias de bairro ou ir na Central de Flagrantes, conforme explica a delegada Fabrizia Alves.
Reconhecida como um importante passo no enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil, a Lei Maria da Penha completa 13 anos nesta quarta-feira (7). Porém, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM's), criadas como portas de entrada para as vítimas, ainda não funcionam 24 horas por dia em Rondônia.
Há seis anos o Ministério Público de Rondônia (MP-RO) entrou na Justiça com uma ação pedindo o funcionamento das DEAM's 24 horas por dia, pelo menos em Porto Velho, mas o processo segue sem julgamento na Justiça Estadual.
Em Porto Velho, atualmente a DEAM funciona em um prédio no Centro da cidade. O horário de atendimento é restrito, sendo apenas de segunda a sexta-feira.
O Ministério Público de Rondônia (MP-RO) diz que moveu uma Ação Civil Pública, em setembro de 2013, solicitando que a Justiça determinasse melhorias no funcionamento da DEAM portovelhense. A ação incluía um “melhor aparelhamento, composição, capacitação dos servidores e funcionamento 24 horas da DEAM” de Porto Velho.
O promotor Héverton Aguiar, que acompanha a ação no MP-RO, explica os motivos de pedir ao Poder Judiciário a determinação das medidas.
“Nós pedimos a ação em razão da peculiaridade da vítima de violência contra a mulher. É uma vítima que chega fragilizada e o agressor é a mesma pessoa com quem ela vai ter que voltar a dormir, é a mesma pessoa com quem ela vai ter que sentar-se à mesa. O agressor é o pai dos filhos dela, veja que tem toda uma circunstância que exige um cuidado melhor dessa vítima”, aponta o promotor.
Atualmente, as mulheres que sofrem violência doméstica em Porto Velho fora do horário de funcionamento da DEAM precisam recorrer às delegacias de bairro ou ir na Central de Flagrantes, conforme explica a delegada Fabrizia Alves.
“Ela [vítima] pode procurar qualquer delegacia do seu bairro para fazer o registro de ocorrência, onde vai ser encaminhada ao IML e, se for necessário, ela pode ser reencaminhada pra atendimento na delegacia da mulher”, diz.
Ela defende que já há um atendimento prioritário nessas delegacias no caso de vítimas de violência doméstica e o resultado do exame no IML é encaminhado à DEAM para prosseguimento das investigações.
Para o promotor, o atendimento na Central ainda não é o adequado às vítimas.
“Não tem cabimento uma mulher ser agredida depois do almoço e ter que passar o resto do dia com o marido para só no dia seguinte ir na DEAM. É bem verdade que ela pode ir pra Central de Polícia, mas o atendimento não é o mesmo. Ela tem o direito a um atendimento acolhedor, diferenciado, como determina a lei”, diz.
Entre os profissionais que o MP para atender na DEAM, 24 horas por dias, estão assistente social, psicólogo, agentes de polícia, escrivães, preferencialmente do sexo feminino, e dois veículos em boas condições de uso.
Logo depois da ação ajuizada, o magistrado do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não reconheceu competência para julgar a ação e repassou o processo a uma das Varas da Fazenda Pública (VFP) de Porto Velho.
No mesmo mês, a juíza da vara da Fazenda Pública, Inês Moreira da Costa, negou a tutela antecipada, ou seja, a determinação das providências ao Estado antes do fim do processo.
Desde 2013 foram seis audiências de conciliação realizadas entre o governo e o MP. Héverton explica que os prazos dos acordos com o Estado foram mantendo o processo sem julgamento.
“Começou a questão dos prazos. A gente fazia acordo com o governo e o governo pedia 120 dias, não cumpria, pedia mais 120 dias, não cumpria”, justifica.
Cronologia da ação na Justiça
Na primeira audiência, em 16 de junho de 2014, o governo de Rondônia justificou que para ter psicólogos e assistentes sociais na DEAM da capital, seria necessária uma lei criando esses cargos e a posterior realização de um concurso público. Disse que não havia recursos no orçamento, na época.
Na audiência foi proposto o aumento do número de agentes no período da tarde e solicitado um prazo de 60 dias para o governo tentar a cedência de psicólogos e assistentes sociais com alguma outra secretaria.
Quanto à capacitação dos servidores pedida pelo MP-RO, o Estado justificou que haviam mais de 60 cursos de capacitação à distância disponível aos servidores que se reuniriam com as delegadas para incentivar as inscrições.
Na época, o representante da Sesdec também se comprometeu em buscar uma caminhonete para atender a delegacia.
Em 23 de setembro de 2014, em nova audiência, o governo disse que cumpriu o combinado em relação ao veículo, treinamento de servidores e pediu um prazo de 120 dias para criação da lei dos cargos de assistente social e psicólogo.
O Estado ainda ressaltou que os servidores designados para trabalhar na parte da tarde na delegacia não puderam cumprir a jornada e alegou que, em quatro meses, analisaria novamente a questão, considerando que o concurso realizado naquele ano estava na fase final.
Em fevereiro de 2016, a juíza da VFP reconheceu algumas medidas tomadas pelo estado, como um mutirão para finalização de inquéritos policiais da DEAM, e solicitou manifestação do MP se a ação poderia ser encerrada. O MP manteve os pedidos.
Na audiência de 25 de agosto de 2016 foi apresentada a possibilidade de lotar mais dez servidores na DEAM para que o atendimento fosse 24 horas. Para isso, foi proposto o início a um curso de formação de agentes.
O Estado informou que os servidores que tomaram posse do último concurso tinham sido lotados no interior. Para reforçar o quadro na capital, uma delegada foi transferida para a DEAM com objetivo de dar vazão aos inquéritos de 2014.
Em 5 de dezembro de 2017, em nova audiência, o Procurador do Estado disse que dois delegados e dois escrivães estavam sendo designados pela DEAM. Foi alegado também dificuldades com afastamentos, férias, licenças e readaptações para lotar mais servidores na unidade.
Na ocasião foi dito que a DEAM seria transferida a outro espaço para melhorar as condições estruturais enquanto o atual prédio passaria por uma reforma. A autorização para realização de um novo concurso público também foi apresentada.
Nessa audiência, a promotora do MP, Tânia Santiago, lembrou que havia um projeto denominado Casa da Mulher Brasileira, mas que o Governo de Rondônia tomou a decisão política de não aderir ao projeto.
A Casa é um projeto do Governo Federal, que disponibilizou recursos aos estados para construção de unidades onde ficariam reunidas polícias, assistentes sociais, psicólogos, Justiça e MP em um mesmo espaço.
A última audiência do processo ocorreu há mais de um ano, em 17 de julho de 2018. No encontro, o governo informou que, da lista pedida pelo MP em 2013, faltavam apenas a contratação de um psicólogo e assistente social e o plantão 24 horas por dia.
A mudança de prédio em 20 dias para o início de uma reforma foi prometida, mas o promotor denuncia que isso não aconteceu.
“O máximo que o governo conseguiu disponibilizar até hoje foi um veículo. Ele se comprometeu em manter quatro delegadas lá trabalhando. Nunca tem as quatro. A reforma até hoje não foi feita. Aquele prédio está caindo o telhado, cheio de goteiras, de infiltração. É um lugar difícil de trabalhar, pode pegar fogo e queimar aqueles inquéritos todos”.
Na última audiência, o Estado também manifestou que considera inviável o funcionamento 24 horas da DEAM, justificando que esse atendimento ininterrupto já acontece na Central de Flagrantes.
O MP reforçou o interesse em melhoria no funcionamento da delegacia, mas concordou com a suspensão do processo até o fim do ano passado em virtude do período eleitoral. Nesse tempo, o MP se comprometeu a buscar o prosseguimento do projeto Casa da Mulher Brasileira, mas segundo o promotor, não houve interesse do governo.
“As coisas estavam bem encaminhadas, conseguimos o terreno, passamos toda a documentação para o Governo Federal, mas na hora de aderir ao projeto, o governo [do estado] não fez”.
Os autos ficaram suspensos até o fim de 2018, conforme acordado na audiência e em 2019, não há nenhuma movimentação registrada no sistema de acompanhamento de processos do TJ-RO.
O Ministério Público informou que vai buscar audiência de conciliação para medir o interesse do novo governo em resolver as questões para depois pedir o julgamento da ação.
“Com o governo do Coronel Marcos Rocha nós não tivemos nenhuma audiência ainda, então eu não posso atribuir a esse governo o descumprimento disso. Nós vamos pedir agora uma audiência com eles pra que possamos conversar sobre isso já com o pensamento do novo governador”, declara o promotor Héverton Aguiar.
O promotor finaliza destacando a importância da Lei Maria da Penha como uma das melhores do mundo em relação às mulheres, mas apontando que ela sozinha não é a solução do problema.
“Não é só através da lei que vamos conseguir enfrentar esse problema. Nós estamos falando de um grave fenômeno social pra ser enfrentado. Não é só colocando o agressor na cadeia que nós vamos resolver isso. Pra que isso tenha solução, nós vamos precisar de políticas públicas”.
O G1 entrou em contato com o Governo de Rondônia questionando as providências que estão sendo tomadas na DEAM de Porto Velho. O estado informou que uma resposta sobre o assunto será enviada.
Maria da Penha
Completando 13 anos, a lei Maria da Penha prevê que agressores de mulheres no âmbito doméstico e familiar sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada, possibilidade de determinar a saída do agressor do domicílio e a proibição dele se aproximar da vítima e dos filhos.
A lei impede que agressores sejam punidos com penas alternativas, como pagamento de cestas básicas.
Condenados em 2019
Segundo a Promotoria de Defesa da Mulher, apenas neste ano foram mais de 1 mil condenados por violência doméstica no estado, sendo 1,5 mil denunciados por esses crimes. Atualmente, 8 mil processos relacionados à violência contra a mulher estão em andamento no estado.