Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso para suspender dois atos administrativos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que desautorizam as atividades de proteção territorial em terras indígenas não homologadas. Além disso, a fundação deve implementar ações de proteção independentemente da homologação das áreas. A decisão se deu na sessão virtual finalizada em 25/2.
A decisão referendada acolheu pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), formulado incidentalmente na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. Nessa ação, o STF determinou ao governo federal a formulação de plano de enfrentamento à covid-19 nas comunidades indígenas, com prestação de serviços de saúde e criação de barreiras sanitárias.
Um dos atos questionados é um parecer da Procuradoria Federal Especializada junto à Funai no sentido de que apenas após a homologação da demarcação da terra indígena caberia à fundação implementar ações destinadas à proteção da indisponibilidade da terra e do usufruto exclusivo em favor dos indígenas. O outro é um ofício da Coordenadoria-Geral de Monitoramento Territorial da Funai, dirigido a órgãos regionais, que determina a observância das conclusões do parecer e estabelece que os Planos de Trabalho de Proteção Territorial (PTPT) deverão prever atividades apenas para terras que, ao menos, tenham sido homologadas.
Persistência da Funai
Em seu voto pela ratificação da liminar, o ministro Barroso destacou que os atos administrativos em questão se inserem no contexto de atitudes que evidenciam "a clara persistência" da Funai - que deveria estar voltada à tutela dos direitos dos indígenas – em desassistir esses povos. Ele ressaltou que, de acordo com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, os processos de demarcação estão paralisados desde 2019. “De um lado, não se demarcam novas terras ou se homologam demarcações já realizadas. E, de outro lado, utiliza-se o argumento da não homologação para retirar a proteção das terras não homologadas e de suas comunidades”, constatou.
Barroso lembrou, ainda, que atos administrativos anteriores buscaram “revisar” demarcações em curso e sustar a prestação de serviços a comunidades cujas terras ainda não tivessem sua regularização concluída, medidas que foram barradas por decisões do STF.
Convite à invasão
Na avaliação do relator, ao afastar a proteção territorial em terras não homologadas, a Funai sinaliza a invasores que a União se absterá de combater atuações irregulares nesses locais, o que pode constituir um convite à invasão de áreas sabidamente cobiçadas por grileiros e madeireiros, bem como à prática de ilícitos de toda ordem.
Ele apontou, ainda, que a suspensão da proteção abre caminho para que terceiros passem a transitar nas terras, oferecendo risco à saúde das comunidades, e pode comprometer a implementação do Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas, determinado pelo STF nos autos da ADPF 709, e outros instrumentos que envolvem a contenção e a retirada de terceiros e de invasores como medida de proteção sanitária.
Povos isolados
Outro aspecto ressaltado pelo relator é que, além do impacto sobre povos situados em terras não homologadas, os atos da Funai tendem a afetar os povos indígenas isolados e de recente contato, ainda mais vulneráveis do ponto de vista epidemiológico. “Não há dúvida de que a nova orientação, que nega a proteção territorial da Funai nessas áreas, certamente contribuirá para a intensificação desse processo”, concluiu.