Central de Transplantes busca superar resistência de famílias em autorizar doação de córneas em Rondônia
Atualmente, todo o procedimento é realizado no Hospital de Base Ary Pinheiro, em Porto Velho, referência no tratamento de alta complexidade em Rondônia. Desde 2014 foram realizados 185 transplantes.
Foto: Daiane Mendonça/Secom - Governo de Rondônia/Reprodução A oferta de um serviço público de saúde com qualidade avançou em Rondônia nos últimos anos. Um grande passo foi dado em 2014 quando o estado passou a realizar transplante de córneas através do Sistema Único de Saúde (SUS). Outra conquista é o Banco de Tecido Ocular Humano (Banco de Olhos) que recebeu em maio do ano passado autorização do Ministério da Saúde para avaliar e processar doações de córneas. Antes, pacientes que precisavam do procedimento cirúrgico precisavam viajar para outros estados. Além de ficar longe da família, eles tinham que entrar na disputa por uma vaga em meio a uma lista grande de pacientes. A situação também gerava gastos do recurso público com o Tratamento Fora de Domicílio (TFD).
Atualmente, todo o procedimento é realizado no Hospital de Base Ary Pinheiro, em Porto Velho, referência no tratamento de alta complexidade em Rondônia. Segundo a enfermeira da Central de Transplante de Córneas, Kézia Vaz, desde 2014 foram realizados 185 transplantes. Os pacientes na espera pelo transplante chegam à unidade geralmente encaminhados por oftalmologistas, mas há os que sofreram traumas e são diretamente encaminhados pelo Pronto-Socorro João Paulo II e ainda há os que já tinham dado início ao procedimento em outros estados e são atendidos diretamente na Central de Transplantes.
‘‘Eles são acompanhados tanto no pré-operatório como após a cirurgia. Antes do transplante eles fazem vários exames, inclusive de avaliação cardíaca. Ficam internados um dia antes ou no mesmo dia da cirurgia e na maioria das vezes recebem alta cerca de 24 horas depois’’, contou a enfermeira que já acompanhou muitos casos e pode presenciar a emoção dos pacientes em ter a visão recuperada. Se por uma lado houve investimentos importantes para a saúde pública de Rondônia, por outro ainda falta sensibilização da sociedade quanto à importância das doações.
A procura pelo transplante de córneas é constante, porém cerca de 120 pessoas estão na lista de espera devido o baixo número de doações . Traumas, uso incorreto de lentes de contato e complicações de doenças que afetam os olhos são alguns dos motivos mais comuns para a busca da cirurgia. Segundo a enfermeira, existe uma forte resistência das famílias em autorizar que após o óbito, as córneas do familiar sejam doadas para o Banco de Olhos de Rondônia. ‘‘Temos equipes de plantão no Hospital de Base e Pronto Socorro João Paulo II que fazem a abordagem das famílias, mas recebem muitas respostas negativas’’, disse.
‘‘Quando recebi a ligação do hospital, avisando que já era para eu vir ficar internado para fazer a cirurgia, não acreditei. Estou muito satisfeito’’ – Ailton Gonçalves Teobaldo, aposentado
A cada família que nega a doação a espera de quem está necessitando de córneas para voltar a enxergar fica ainda maior. De acordo com Kézia, em média a demora é de um ano para o procedimento cirúrgico.
O aposentado Ailton Gonçalves Teobaldo, 74 anos, percebeu que a visão estava prejudicada há cerca de 15 anos, mas só recentemente recebeu o diagnóstico de glaucoma. Há pelo menos três anos começou a busca por tratamento. Nessa quarta-feira (4), ele, que é morador do município de Jaru, chegou à capital para fazer a tão aguardada cirurgia de transplante de córnea.
‘‘Quando recebi a ligação do hospital, avisando que já era para eu vir ficar internado para fazer a cirurgia, não acreditei. Estou muito satisfeito’’, afirmou emocionado.
Ailton revelou que a espera é um período muito difícil, e que em vários momentos chegou a desanimar e até em pensar em desistir, mas manteve a esperança de que um dia fosse conseguir recuperar a visão do olho direto.‘‘Dependemos 100% das doações, sem elas a fila não anda’’, alertou a enfermeira que relatou também que as famílias que mais se sensibilizam a fazer doações são aquelas que tiveram algum familiar que já precisou receber transplante.
CORRIDA CONTRA O TEMPO
Quando um paciente vai a óbito começa a batalha contra o tempo para a doação de córneas. Quando a barreira da resistência da doação é vencida, os médicos têm até 6 horas para retirar as córneas, tempo considerado ideal para a retirada do tecido ocular, mas em alguns casos pode se estender por até 24 horas. No Banco de Olhos, segundo a enfermeira, com o armazenamento adequado, as córneas são preservadas por até 14 dias.
Ao contrário de outros órgãos, a córnea não tem recusa por falta de compatibilidade. A maioria das pessoas está apta a doar. De acordo com a enfermeira, são poucas as contraindicações: A morte não pode ter sido por choque séptico (Infecção generalizada que leva à falência de órgãos), o paciente que foi a óbito não pode ter tido doenças infecciosas como HIV, hepatites B ou C; Nem ter tido leucemias e tumores malignos oculares. Também fica impedido de doar se a morte for por causa desconhecida.
Para ser um doador de córneas não é necessário deixar nada por escrito. Basta avisar a família. Cabe a essa autorizar a doação. ‘‘Por mais que seja um momento de dor para a família por ter um familiar em óbito, optar pela doação é um ato de amor. Elas precisam entender que desta maneira estarão oferecendo esperança para outra pessoa. É preciso pensar no que aquele familiar queria e como ficaria feliz em ajudar outras pessoas’’, considera a enfermeira.