Ex-moradora de rua se transforma em voluntária no auxílio a dependentes químicos em Porto Velho
Acreana de Tarauacá, mãe de Caroline, 24, formada em administração de empresas; e Francisco Júnior, funcionário de uma loja de vidros, Luzanira mora num quarto alugado por R$ 300 mensais, no bairro Areal. Faz faxina e vende salgadinhos.
Foto: Daiane Mendonça/Secom - Governo de Rondônia?/Reprodução Luzanira Ribeiro Saboia, 48 anos, seria uma a mais no mundo dos moradores de rua em Porto Velho. Mas é especial, pois reúne forças para apoiar o Centro de Referência de Prevenção e Atenção à Dependência Química (Crepad) no persistente trabalho de examinar, encaminhar para tratamento médico e oferecer cursos profissionalizantes a essa clientela.
“Eu dormia na avenida Jorge Teixeira e em casas abandonadas, quando o pessoal do Projeto Acolher me descobriu. Tempo atrás, até o ano passado, me disseram que eu era um caso perdido, mas eu acreditei em mim, e venci”, relatou.
Acreana de Tarauacá, mãe de Caroline, 24, formada em administração de empresas; e Francisco Júnior, funcionário de uma loja de vidros, Luzanira mora num quarto alugado por R$ 300 mensais, no bairro Areal. Faz faxina e vende salgadinhos.
Veio menina de seu estado. Longos anos de rua e sarjeta resultaram-lhe em lições e amarguras. “Às vezes eu andava pela Sete de Setembro [avenida] e deitava no piso quando não achava papelão. Acordava com um balde de água fria no corpo, comia restos de alimentos, tive crise de epilepsia e perdi a audição do ouvido direito”.
Durante nove meses de tratamento na Clínica Família Rosetta, Luzanira percebeu o jeito melhor de se cuidar, e sente pena das mulheres que, sem melhores perspectivas de trabalho pós-tratamento, voltam às ruas. “Muitas meninas do meu tempo recaíram, e eu mesma, no ano passado, via bicho de assombração, minha garganta fechava”.
Ao recuperar-se, encontrou vaga de instrutora de projetos especiais no Sest-Senat, os Serviços Sociais do Transporte e de Aprendizagem do Transporte, chegou a coordenar projetos administrativos e fez curso de inglês e de espanhol. “Aprendi a falar melhor, ter etiqueta, e foi bom, porque antes eu parecia um animal”.
Nesse período havia perdido peso, vestia roupa amarrada com barbante e ouvia zombarias na BR-364. Ao chegar ao Crepad, na primeira noite não encontrou acomodação, teve crises, convulsões e gritava. Em seguida, foi encaminhada à clínica.
Ao lado da assistente social Gleice Torres, lembra-se dos nomes de funcionárias que a ampararam: “Dona Nasa me acalmava com cantigas de ninar, aí conheci dona Lígia, que me apoiou muito, e eu me senti útil, realmente acolhida, como se estivesse em casa”.
Gleice, que trabalhava na recepção quando a conheceu, testemunha: “Ela era irredutível, não confiava nas pessoas, porém, compreendíamos, porque ela trazia das ruas as consequências de um sofrimento que parecia não ter fim”.
A mensagem aos pais: “Digo que fiquem mais perto dos filhos, sejam vigilantes, mesmo quando eles estão com amigos nos quartos, conversem, sirvam um bolo, um café, um chá; prestem atenção no comportamento deles, vejam se existe alguma agressividade ou, se por acaso, sumiu alguma coisa de valor”.
EFEITO BIOLÓGICO DEMORADO
“A mulher demora mais para eliminar efeitos do álcool e de outras drogas. Biologicamente, nelas as drogas permanecem mais tempo no fígado e rins”, explicou o médico Nestor Ângelo D’Andrea Mendes, que trabalhou no mesmo setor no Hospital de Base Dr Ary Pinheiro.
Da mesma maneira que o jovem, mulheres moças também chegam cedo às drogas em Porto Velho. “O perigo maior, a exemplo do restante do País, são os vícios do cigarro e do álcool, e temos constatado que eles superam o consumo de crack”.
Segundo o médico, a mulher sofre muita pressão social. “Mulheres que trabalham, estudam e cuidam de filhos, quando entram na drogadição têm mais dificuldades de recuperação, e as recaídas pesam bastante. E quando estão em comunidade, em presídios especialmente, acumulam problemas de adaptação, tornando-se agressivas”.
“No presídio, quando uma traficante ou uma homicida chegam aos grupos, elas ficam submissas”, acrescenta.
D’Andrea lembra que especialistas nesta área ainda não encontraram o modelo ideal para internação, assim por exemplo, “dormindo em casa e frequentando a terapia”. Isso, conforme sublinhou, já funciona para pacientes psiquiátricos.
Atualmente, a Gerência de Tratamento do Crepad dispõe de seis vagas para atender a dependentes químicos na capital. A equipe multidisciplinar avalia regularmente essas comunidades que prestam trabalho voluntário à população.
Casos de indicação médica são encaminhados às comunidades terapêuticas credenciadas com o estado. “São pessoas que necessitam se afastar temporariamente da situação de risco a que estão expostas”, explicou a psicóloga Dioneia Martins, que às quintas-feiras está à frente da terapia de grupo no Crepad.